A foto ao lado com um fininho, publicada pelo jornal inglês News of the World, rodou o mundo e fez girar um carrossel de opiniões equivocadas e debates sobre "o papel de um ídolo esportivo na formação da juventude".
Resumindo, Michael Phelps, Mister-Citius-Altius-Fortius, foi flagrado por algum muy amigo, numa festa na Flórida, fumando maconha num bong. Segundo um relato publicado pelo jornal, Phelps teria demonstrado intimidade com o instrumento, o que sugere que ele não seja um usuário de primeira viagem.
Logo meio mundo se apressou em crucificar o ganhador de oito ouros em Pequim, afirmando que ele não estava dando exemplo para os jovens que nele se inspiram.
Ora, Phelps não estava fumando nas areias de Miami Beach, na frente de todos. Estava numa festa privada e foi flagrado por algum amigo sacana que fez vazar a foto por dinheiro. Ou seja, teve sua privacidade invadida e exposta para todo o planeta. Disso, claro, ninguém fala.
No entanto, isso, por si só, já levanta uma questão seríssima - o que um atleta-exemplo faz em sua vida privada tem a ver com mais alguém além dele mesmo? Então se Phelps, em vez de estar fumando, tivesse sido flagrado, digamos, dando um beijo em outro homem, ou dando pra outro homem, teria sido condenado por dar mau exemplo aos jovens? Se tivesse sido fotografado completamente embriagado, a reação da opinião pública seria a mesma? E se, em vez do bong, fosse uma carreira de cocaína?
Mas a questão vai muito além disso. Desde primeiro de janeiro de 2006, a WADA, agência mundial antidoping, inclui os canabinóides em sua lista de substâncias proibidas, embora já tenha sido provado que o THC não melhora desempenho, muito pelo contrário - a redução da capacidade psicomotora e da concentração, o aumento da frequência cardíaca e a alteração da pressão arterial só fazem prejudicar o desempenho. Mas, mesmo assim, canabinóides e derivados pagam o pato, pois são incluídos no mesmo saco de esteróides e outros "por serem um mau exemplo para a juventude". É o chamado doping moral.
Falemos então de moral. Phelps, depois da publicação da foto e da repercussão mundial do caso, pediu desculpas ao Comitê Olímpico Internacional. E, surpreendentemente, o COI simplesmente as aceitou. Caso encerrado.
Ora, mas se um atleta pego num exame antidoping por uso de maconha imediatamente pega um gancho mínimo de três meses, até que seja julgado, como pode alguém que teve a foto, no ato do consumo, espalhada para o mundo inteiro, ser perdoado assim?
Nunca vi tamanha hipocrisia.
Ou melhor, vi sim. É a mesma hipocrisia daqueles que saem à noite, bebem o quanto querem e depois brincam de roleta russa, seja com a possibilidade de cruzar com um bafômetro e perder a habilitação, seja com a possibilidade de matar alguém ao volante.
A mesma hipocrisia de quem acha que atletas são diferentes de pessoas comuns, não estando sujeitos a crises de depressão, cobrança por resultados, problemas familiares, brigas com namorada ou namorado... como qualquer indivíduo, nessas horas, eles podem procurar, nas chamadas drogas sociais, alívio para seus problemas.
Eu destaco a opinião do jornalista inglês Michal Hann, colunista do The Guardian:
"Esses atletas certamente não estão trapaceando. São vítimas de uma idéia equivocada de que alguém com um talento para chutar uma bola, correr, pular, nadar ou mergulhar, é de alguma maneira um modelo e tem que viver de acordo com um padrão de comportamento acima da média."
E aí eu lembro de algo que Allen Iverson, mais que polêmico craque da NBA, disse certa vez:
"Eu só devo ser um exemplo para meus filhos. Nunca assinei nada em que me comprometesse a ser exemplo para ninguém além deles. Se alguém quiser me tomar como exemplo para qualquer coisa, lamento, mas não é problema meu."
* * *
Michael Phelps tem 23 anos. Só pra lembrar.
4 comentários:
perfeito. e por que o phleps seria um modelo para a juventude? porque ganhou as provas que disputou? porque se encheu de medalhas? e o que o cu tem a ver com as calças? qual é a relação entre bater mais rápido numa borda de piscina e ser um modelo de comportamento? ou seja, além da hipocrisia já tratada no texto, ainda tem esse delírio causado pela supervalorização da vitória. isso sem falar na mediocridade que é a necessidade de um modelo, qualquer modelo, qualquer necessidade. mas aí já é idiossincrasia minha, que acho que a danação da humanidade é não conseguir se organizar de outra maneira que não seja a hierárquica.
Sei lá, acho que preciso fumar um pra pensar melhor...
Depois do perdão do COI e do comitê olímpico americano, a federação americana de natação o suspendeu por três meses e se pronunciou assim:
"Esta não é uma situação onde se viola uma regra anti-doping, mas decidimos enviar uma dura mensagem a Phelps, porque ele desapontou a muitas pessoas, principalmente as milhares de crianças norte-americanas que o veem como modelo e herói. Ele aceitou voluntariamente nossa decisão e garantiu que está comprometido em conquistar nossa confiança novamente."
Ridículo.
isso é um mundo careta e covarde.
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