quinta-feira, 22 de março de 2012

O Maior Do Mundo Nunca Mais.

Este será um post curto e grosso, porque o assunto, só de pensar, só de lembrar, já me levou às lágrimas mais de uma vez. E, como vou ao Engenhão semana sim, semana também, confesso que trata-se de algo que povoa minha mente com frequência bem maior que gostaria.

Que o Maracanã, como nós o conhecíamos e amávamos, acabou, todo mundo sabe. Aquele gigante, que na final da Copa de 50 abrigou 199.854 torcedores, não existe mais há tempos. Sucessivas reformas e maquiagens já faziam dele, antes das obras para o Mundial de 2014, uma sombra do que um dia fora - mas, pelo menos, sabíamos que ainda era o bom e velho Maraca, só que com um lifting.

Depois de fechado para obras, foram surgindo, aos poucos, notícias cada vez piores. Primeiro, a de que a nova capacidade ficaria em torno de 76 mil lugares, o que o torna apenas o vigésimo-quinto do mundo em tamanho. Eu assisti a um Brasil x Paraguai, pelas eliminatórias da Copa de 86, junto a outras 139.922 pessoas.

Em seguida, a diminuição do tamanho do gramado, determinada pela FIFA - dos 110 x 75 metros de outrora para 105 x 68 metros, mesmas medidas do Engenhão (só para efeitos de comparação, o campo da Vila Belmiro tem 106 x 70 metros - o olho já se enche de lágrimas).

Agora o escritório Fernandes Arquitetos e Associados divulga imagens mais esclarecedoras de como será o estádio por dentro. Lembram-se do que foi alardeado? Que as arquibas seriam únicas, de cima a baixo, até o gramado? Pois não será bem assim.



A imagem acima mostra um trecho onde a arquibancada, já na sua porção superior, será dividida em duas - duas bem pequenas partes, como mostram as setas toscamente feitas por mim, no Gimp. Logo abaixo, um espaço enorme que deve compreender os 108 camarotes do projeto (cliquem na foto para ampliá-la - o Blogger está cada vez melhor).



Esta foto das obras, recente, mostra como apenas um dos lados terá esta divisão - o outro, também destacado, sugere que, atrás dos gols, a arquibancada será um espaço único, sem divisão. Como também deve ser do lado oposto às cabines de transmissão e camarotes, como mostra a outra imagem divulgada ontem, esta aqui embaixo.



Notem como, pelas imagens, o estádio perderá qualquer semelhança com o que um dia foi - um gigante belo e imponente, acolhedor e espaçoso para multidões que ali tinham momentos da mais pura paixão pelo futebol, fosse num clássico lotado, fosse num Flamengo x Blumenau, pela Copa do Brasil de 1989, onde apenas 3.567 pessoas, além de mim, viram Bujica marcar duas vezes, num time que tinha acabado de perder Bebeto para o Vasco, em que Zico vestia a camisa dez. Cheio ou vazio, o Maraca era uma casa para mim.

Hoje, 23 anos depois, sou um sem-teto.

* * *

Só para lembrar, o custo das obras - de reforma, vale sempre lembrar - tocadas pelo consórcio Andrade Gutierrez, Odebrecht e Delta, no momento, está 883,5 milhões de reais. A Allianz Arena, em Munique, palco da abertura da Copa de 2006, custou 850 milhões, da pedra fundamental ao resultado final divino.

terça-feira, 13 de março de 2012

Correu.


Há muito eu não via uma mesma notícia ser dada e analisada de tantas formas diferentes quanto essa fuga-renúncia de Ricardo Teixeira. Considerados o personagem e sua história nada honrosa, chega a ser nojenta a maneira como indivíduos e corporações têm se posicionado desde ontem.

Vale e muito ressaltar que, mesmo em seu derradeiro ato como presidente da CBF, Ricardo Teixeira manteve-se fiel ao que sempre foi - um homem escuso. Há duas semanas, quando sua saída já era dada como certa, nenhuma palavra sobre o assunto foi dita na Assembleia Geral Extraordinária da entidade, quando presidentes das federações vieram ao Rio apenas para ouvir que Teixeira entraria de licença médica. Ontem, esses presidentes souberam da mentira da mesma maneira que eu e você - através da leitura da carta de renúncia por José Maria Marin, que também ocupará o posto deixado vago no Comitê Organizador Local da Copa.

"Fiz, nestes anos, o que estava ao meu alcance, sacrificando a saúde, renunciando ao insubstituível convívio familiar. Fui criticado nas derrotas e subvalorizado nas vitórias. Mas isso é muito pouco, pois tive a honra de administrar não somente a Confederação de Futebol mais vencedora do mundo, mas também o que o ser humano tem de mais humano: seus sonhos, seu orgulho, seu sentimento de pertencer a uma grande torcida, que se confunde com o país." - Ricardo Teixeira

É muita cara de pau.

Nada que surpreenda, claro, desde que a revista Piauí publicou a aclamada e determinante reportagem de Daniela Pinheiro em julho do ano passado. Ela acompanhou Teixeira durante um congresso da FIFA, em Zurique, na Suíça, quando o então presidente da CBF soltou a língua sobre diversos assuntos.

"Em 2014, posso fazer a maldade que for. A maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe por quê? Porque eu saio em 2015. E aí, acabou."

Não à toa, essa frase fecha a reportagem de 8 páginas-tamanho-Piauí. Nela, Ricardo Teixeira atacou imprensa("É tudo coisa da mesma patota, UOL, Folha, Lance, ESPN, que fica repetindo as mesmas merdas."), defendeu a Rede Globo ("Só vou ficar preocupado quando sair no Jornal Nacional."), afirmou não ligar para as denúncias de corrupção ("Não ligo. Aliás, caguei. Caguei montão.") e jurou perseguição à BBC ("Enquanto eu estiver na CBF, na FIFA, onde for, eles não entram.")

É na BBC que trabalha Andrew Jennings, jornalista que fez a denúncia sobre o esquema de propina que teria rendido a nomes como Teixeira e João Havelange cerca de 100 milhões de dólares nos anos 90, através da extinta ISL. E é essa história, que tem uma bomba de nêutrons prestes a explodir, a real motivadora da renúncia de ontem. Segundo o jonalista suiço Jean François Tanda, trata-se apenas de uma questão de tempo até que a Justiça do país divulgue a documentação levantada durante a investigação do escândalo ISL. Tanda e Jennings são parte da ação. Quando essa documentação for divulgada, os jornalistas odiados por Teixeira em todo o planeta terão acesso. Surgirão então os nomes dos verdadeiros donos de empresas como a Sanud, que foi sócia da RLJ Participações, de Teixeira, no Rio de Janeiro. E outras, como Ovada, Wando, Sicuretta, Beleza. Juntas, teriam liberado quase 54 milhões de dólares em propina, entre 1989 e 1997. Todas elas, empresas de fachada - o irmão de Ricardo Teixeira, Guilherme, por exemplo, aparece como procurador da Sanud no Brasil.

Enquanto isso, como era de se esperar, os mais diferentes tratamentos são dados ao ex-presidente da CBF.

O Jornal Nacional de ontem o exaltou como um dos maiores responsáveis pelo sucesso da seleção brasileira, duas vezes campeã do mundo enquanto ele presidiu a CBF. Destacou os 112 títulos conquistados durante sua gestão, a padronização da forma de disputa do campeonato brasileiro - como se ele próprio não tivesse sido um dos maiores opositores ao sistema de pontos corridos, só adotado após 14 anos de mandato. Pra completar, cita que todos os processos contra ele foram arquivados pela Justiça.

(Aqui vale uma volta no tempo. Em 2001, no auge da CPI da Nike, a Globo botou no ar um Globo Repórter que, entre outras coisas, sustentava que a renda de Ricardo Teixeira era incompatível com seu patrimônio. Poucos dias depois, a CBF anuncinou a mudança de horário de um Brasil x Argentina - em vez do horário-padrão-depois-da-novela, o jogo passou para as 19h45. "Pegava duas novelas e o Jornal Nacional. Você sabe o que é isso?", disse Teixeira à jornalista Daniela Pinheiro em sua reportagem para a Piauí, quando o caso foi relembrado. A partir deste episódio, nunca mais a Globo contrariou o mandatário da CBF)

A Record, claro, caiu em cima ontem, como também era de se esperar. Nunca teve da CBF o mesmo tratamento dispensado à Globo nas negociações sobre direitos de transmissão. A entidade deu apoio à emissora do Rio em 2010, quando esta negociou diretamente com os clubes os direitos do campeonato brasileiro. Record e Rede TV - que chegou a vencer uma patética concorrência promovida pelo Clube dos 13 - ficaram a ver navios. Os dois primeiros clubes a acertar com a Globo? Corinthians e Flamengo, cujos presidentes têm estreitas relações com Ricardo Teixeira.

Mesmo O Globo, que questiona o porquê de sua saída após 23 anos de acusações justamente nesse momento, a dois anos da Copa, cita pressão familiar, saúde debilitada e até a exposição da filha mais nova, que teria ouvido comentários constrangedoras sobre o pai na escola. Sério?

No meio disso tudo, ainda há as opiniões pessoais de quem vive o futebol. Opiniões não menos discrepantes que as dos veículos de comunicação.

"Hoje podemos comemorar. Exterminamos um câncer do futebol brasileiro. Finalmente, Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF." - Romário

"O ideal seria que ele não saísse. Mas, se a saúde o impediu de continuar na presidência da CBF, o importante é lembrar que em seu mandato a Seleção Brasileira conquistou duas Copas do Mundo e ainda o direito de sediar o Mundial de 2014." - Peter Siemsen, presidente do Fluminense

"Foram mais de 10 anos de impunidade e de cumplicidade de autoridades do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e principalmente de dirigentes de federações" - Álvaro Dias, senador do PSDB-PR

Agora Ricardo Teixeira vai esperar, em Boca Raton, na Flórida, os próximos passos da justiça suíça.

Enquanto isso, por aqui, a Corregedoria da Justiça vai investigar o Tribunal Regional Federal da segunda região (TRF-2), que trancou a investigação por lavagem de dinheiro sobre Teixeira por habeas corpus. O despacho de trancamento da desembargadora Nizete Rodrigues Carmo, favorável ao habeas corpus pedido por Teixeira, diz que "não há provas novas que sustentem um processo” contra o dirigente e sua família." A inspeção dos corregedores federais vai de 18 a 28 de março.

Como se vê, o cerco se fecha, aqui e na Suíça. E é por isso, apenas por isso, que Ricardo Teixeira, depois de 23 anos de mandos, desmandos e enriquecimento, correu.