terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Os Implacáveis.

Quem é mais cruel, a torcida do Flamengo ou a WADA, a World Anti-Doping Agency?

A primeira regula a vida de quem veste o manto sagrado rubro-negro, seja antes, durante ou mesmo depois de fazê-lo. Quem não se lembra do (horroroso) Claiton, que de tão identificado com o Botafogo, acabou condenado pela torcida desde o primeiro momento como jogador do Flamengo? E André Dias, que será para sempre (mal) lembrado por ter dito que o clube não era grande?

A torcida rubro-negra, ao contrário do eleitorado brasileiro, tem memória. Mesmo que não tenha sempre razão.

Domingo, elevou Romário às alturas. Chegando ao cúmulo do absurdo de pedir para que ele, e não Ele, batesse um pênalti (muitos devem ter me achado louco quando virei para trás, de onde começou o coro, e proferi uma rajada de palavrões).

Enquanto isso, Bebeto e Tita receberam vaias quando seus nomes foram mostrados no telão. Renato Gaúcho nem precisava ter tido desempenho tão risível - desde o primeiro toque foi vaiado.

Eu não me proponho a achar explicações.

Mas Romário, mesmo tendo conquistado quase nada pelo clube, sempre demonstrou um imenso respeito pelo Flamengo após sair. Renato, além do gol de barriga e de toda a besteirada que ele rendeu, se mostrou uma figura arrogante e cheia de empáfia como "técnico". Bebeto foi protagonista de um dos maiores casos de traição na rivalidade entre Fla e Vasco. Passado que também pesa contra Tita.

Isso justifica que Renato - sem ele jamais teríamos conquistado o tetra em 87 - seja vaiado? Ou que Romário receba tanto carinho?

Aliás, carinho, pra mim, só pra Um.


E a WADA? A mão-de-ferro da política mundial anti-doping está prestes a massacrar um pobre jovem.

Mas ainda há esperança.

Jobson foi flagrado duas vezes, nos jogos contra Coritiba, 8 de novembro, e Palmeiras, 6 de dezembro. Com a contraprova do primeiro, são três resultados positivos para cocaína. Droga abominada pelos membros da agência, ainda que tenha tudo a ver com dependência e necessidade de ajuda e nada com aumento de desempenho.

Jobson já mentiu, caiu em contradição de datas e, pior, não admitiu dependência. A historinha contada, sem dúvida, complicará ainda mais sua situação.

Só que as leis da WADA falam de banimento do esporte quando o atleta é condenado duas vezes. No caso do brasileiro de vinte e um anos, o tribunal da entidade pode entender que, pela proximidade dos exames, trata-se de um mesmo caso. Isso aumenta a possível pena para até quatro anos. Mas pelo menos não decreta o fim da linha para um garoto que, de uma maneira ou de outra, precisa de ajuda.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Futebol E A Violência.

A punição (justa) ao Coritiba, um comercial (idiota) de cerveja e a renovação (merecida) de contrato do Andrade me botaram pra pensar sobre essa relação que, muitas vezes, me parece ser tão ignorada por aqui quanto o racismo no Brasil.

Existe esporte tão violento quanto o futebol?

Primeiro se faz necessário definir violência. Que é inerente a esportes considerados nobres, do boxe ao judô. Derrubar ou subjugar o adversário não são exatamente objetivos fraternos. No entanto, a luta gentil é ensinada com orgulho pelos pais a crianças na mais tenra idade. Por quê? Por conta de sua filosofia nobre. Honra. Respeito. Valores também presentes no ringue, mesmo que dois pugilistas se espanquem ao soar do gongo. Antes e depois, tudo muda. A violência não passa do último assalto. Ninguém quer, realmente, machucar o oponente.

Mesmo em esportes em que a violência salta aos olhos, há valores que são maiores. No futebol americano, no rugby ou no nefasto MMA, ela fica compreendida dentro de regras, escritas e não escritas. Se um jogador da NFL é taxado como "sujo", vai ter mais dificuldade para achar emprego. Será discriminado pelos próprios companheiros. Nenhum lutador quer ficar marcado por abusar de golpes baixos.

No futebol não.

No futebol, a violência frequentemente vem acompanhada da maldade. Não conheço esporte em que a deslealdade entre atletas surja com tanta força e frequencia. Malícia, malandragem, tudo se soma, dependendo do caráter do boleiro. É quando ossos se quebram. Seja um Zico ou um Eduardo da Silva, a lista de vítimas é enorme.

Nesta semana, meu mestre Renato Nogueira me enviou o texto da coluna do Ugo Giorgetti no Estadão. Falava sobre o mais novo ridículo comercial da Brahma com Ronaldo. O texto é grande, mas o reproduzo aqui:

"Não sei por que ando pensando muito num comercial da Brahma que andou, ou anda, pelas televisões. De fato ele não me sai da cabeça. Fiquei tão intrigado que recorri até ao site do Clube de Criação de S.Paulo, onde não só o encontrei na íntegra, como tive a surpresa de encontrar também declarações do diretor de marketing da Brahma que, por sua vez, vieram aumentar meu assombro. Queria, logo de início, pedir licença ao diretor da empresa para refutar uma de suas declarações. Diz ele: "Com a campanha não queremos impor nada a ninguém. Queremos apenas ser porta-vozes do povo brasileiro." Bem, meu porta-voz esse comercial não é, isso eu posso garantir. E, espero, também não seja de boa parte do povo brasileiro. Para quem não sabe, o comercial descreve a atitude ideal do torcedor brasileiro em relação à Copa do Mundo que se aproxima. Consta de uma sucessão de imagens bélicas e melodramáticas, onde supostos torcedores carrancudos, gritam, choram e batem no peito. Para deixar ainda mais claro a observadores menos atentos que o que se espera realmente são guerras e batalhas, mistura essas cenas com outras, fictícias, devidamente produzidas e filmadas, de um grande exército medieval em ação. Se as imagens falam por si, o pior é o som. Vozes jovens alucinadas urrando palavras de ordem num tom ameaçador, histérico, a lembrar manifestações das mais radicais e intolerantes agrupamentos que, infelizmente, existem no interior de qualquer sociedade. Eu me permito transcrever algumas das frases vociferadas: "Eu queria que a seleção fosse para a Copa, como quem vai para uma batalha!" "Eu quero guerreiros!", "Vamos para a guerra juntos! 180 milhões de guerreiros!" "Sou guerreiro!" No final do filme, num golpe de surrealismo que faria as delícias de Luis Buñuel, o locutor, contrariando o tom anterior de toda a mensagem, recomenda sabiamente: "Beba com moderação." O diretor de marketing da Brahma, no mesmo site do Clube de Criação continua: "A mensagem que queremos passar ao torcedor é que, além de ser a primeira marca brasileira a patrocinar oficialmente uma Copa do Mundo, o desejo da Brahma é despertar a atitude guerreira da seleção em todos os 190 milhões de brasileiros." Com todo o respeito que tenho pela Brahma, cuja publicidade acompanho, até por dever de ofício, há mais de quarenta anos, e que me pareceu sempre celebrar a alegria e a irreverência popular, essas declarações inspiram alguns comentários. O que eu espero da seleção é que jogue bola. Acho que o que nos derrotou em 2006 não foi a falta de guerreiros, mas foi o Zidane, que não era exatamente um guerreiro. Quanto aos 190 milhões, espero que honrem nossa tradição de saber perder, como fizemos em 1950 em pleno Maracanã, ou como fizemos em 1982, encantando o mundo. O resto é apenas apelar para o que há de pior na sociedade brasileira. Que é o que faz esse equivocado comercial dessa grande empresa. E de repente, a razão pela qual penso nele com tanta freqüência me aparece claramente: é que, de certo modo, o confundo com as cenas reais que aconteceram no estádio de Curitiba domingo passado. Ao revê-las me ocorre uma pergunta: os torcedores que, ensandecidos, fizeram o que fizeram no Paraná seriam "guerreiros" ou "brameiros"? Ou os dois? Infelizmente não foi possível alertá-los para invadirem e quebrarem tudo "com moderação"."

A diretoria do Coritiba, como era de se esperar, recorreu da pena. Que, muito mais do que punir ou responsabilizar o clube, serve para educar o torcedor, mandar a mensagem de que cenas como aquelas acabam penalizando severamente o mandante. Torço para que não seja diminuída em um jogo sequer mas, mais do que isso, torço para que não fique apenas no campo do STJD - é preciso que se responsabilize, criminalmente, todo e qualquer daqueles vândalos que possa ser identificado pelas imagens de TV. Da mesma forma que os pitboys selvagens que brigaram no Leblon, naquela mesma noite.

E o Andrade?

Bem, o Andrade, que ganhava dez mil reais como funcionário do Flamengo, que foi promovido a técnico, que teve aumento para cinquenta mil, que levou o clube ao hexa e ontem renovou por 160, é dos poucos a nadar contra a corrente.

Andrade não fala em ver "sanque nos olhos" de seus comandados, como disse Silas ao ser apresentado como técnico do Grêmio. Andrade não manda nem jamais mandaria bater, pelo contrário - foi ele quem fez com que Aírton e Willians mudassem o comportamento dentro de campo, passando a não mais confundir vontade com truculência. Deixaram de colecionar cartões vermelhos e tiveram atuações fundamentais na arrancada final ao título. Aírton, principalmente, estava no caminho sem volta de se tornar um notório jogador desleal.

Mas mesmo esse Andrade, que qualquer amante da bola admira, já deixou-a de lado. Naquele 23 de novembro de 1981, foi expulso ainda no primeiro tempo da final contra o Cobreloa. "Foi minha única expulsão no Flamengo. Foi um jogo muito catimbado. Um jogador deles tinha dado uma entrada forte no Junior e eu revidei, até pelo clima criado no jogo anterior. O árbitro já tinha expulsado um jogador do Cobreloa e minha expulsão foi uma forma de igualar as coisas. É coisa de fração de segundos, na hora você não pensa".

É preciso pensar a violência dentro do contexto futebol. Seja na arquibancada, na TV ou no banco de reservas.

E um bom começo seria valorizar mais quem a combate.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou.

E agora, arquibaldo?

Agora que os jornais de segunda ficam sem graça, as noites de domingo sem gols e a cidade sem Maraca? E agora, você?

O êxtase cessou, a mesa do bar está vazia. A cabeça ainda sente os efeitos da alegria da noite de ontem. O sorriso não sai do rosto, de certo. Mas é tudo tão diferente da última vez. Éramos jovens. Eu e minha paixão. Meu amor nem tinha chegado aos cem.

Como lembrarei ontem daqui a outros vinte, trinta anos? Nem lembro de 80. Os de 82, 83 e até 87, lembro como conquistas de um time. O de 92, como de um homem, o maestro Léo. Acredito que este de agora, lembrarei como o título de algo maior.

Porque não tivemos o melhor time. Nem o pior. Não tivemos um Zico, um Júnior que estivesse ali nos momentos decisivos. Pet e Adriano tiveram, talvez, suas piores atuações nos últimos três (dois) jogos. Foi uma reta de chegada no braço, na marra. Sofrida.

Eu vou lembrar do Goiás. Da decepção na saída. Vou lembrar de Campinas. Da loucura no Brinco, quando comemorei seis vezes com igual intensidade num jogo em que meu time só fez dois. E vou lembrar de ontem, do absurdo que foi entrar, do sofrimento que foi estar e da felicidade ao sair.

E certamente vou lembrar deste como um título que foi movido à base de algo maior. Algo que começou a crescer de pequenas demonstrações de amor, como o choro do Andrade em Santos ou a entrega do Pet quando virou titular. Algo que cada rubro-negro tem dentro de si. E que esteve em todos os lugares nas últimas semanas.

* * *

O desfecho deste campeonato teve outros momentos inesquecíveis, para o bem ou o mal.

Como a desacreditada (não para mim) vitória do Botafogo, que não só o manteve na primeira divisão como tirou o Palmeiras da Libertadores. Aliás, ontem Diego Souza voltou a provar que ninguém engana a todos todo o tempo.

Ou a quase esperada salvação do Fluminense na última rodada. Ninguém acreditava que, depois de tamanha epopéia, ela fosse escapar. Tirando, claro, a torcida do Coritiba, logo de lá, onde se gabam de uma suposta maior civilidade.

Não que aqui seja diferente. Ontem temi pela tragédia. Não é possível que ninguém tome uma providência sobre como a Polícia Militar controla a entrada no Maracanã. E, pior ainda, que ninguém se arrisque a realmente mostrar o que acontece num jogo como o de ontem. Hmmm...

E no fim das contas, alguém sabe dizer quem teve menos interesse em seu derradeiro jogo no campeonato, se Grêmio, Santo André ou Sport?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

A Incrível Saga do Hexa (ou "Nunca Mais Venha Me Dizer Que VOCÊ É Muito Rubro-Negro, parte III")

Não à toa eu deixei pra falar sobre o jogo alguns dias depois. Precisava digerir minhas impressões do que vi e vivi no Brinco de Ouro.

Da contusão de Ronaldo (agora confirmada por exames, segundo o departamento médico do clube) à paralisia de Felipe no pênalti, passando pelas expulsão de Chicão e as reclamações gerais após o jogo, principalmente do Mano, tudo me pareceu um imenso teatro. Afinal, o Corinthians perdeu o interesse neste campeonato assim que passou a não ter mais reais chances de conquistá-lo. Por que, então, se importar tanto com o penúltimo jogo da temporada, ainda por cima, fora de casa? Pra ajudar o Palmeiras? Ora, na rodada anterior, o time havia sido derrotado em seus domínios pelo Náutico... e vinha de outra derrota, para o Avaí... Da falta de empenho na marcação à falta de urgência na pressão nos vinte minutos finais, tudo me passou a impressão de que, em campo, havia um time interessado pelo título e outro esperando as férias. E só. Isso não quer dizer, em absoluto, "entregar" o jogo; fosse isto, Bruno não teria feito três difíceis defesas no segundo tempo. O que muita gente, principalmente os críticos dos pontos corridos, parece não entender é que, nas rodadas finais, como em qualquer campeonato do mundo, há diferentes motivações para cada time. Cobrar do Corinthians o mesmo empenho do Flamengo neste jogo seria como cobrar do Sport uma vitória sobre o São Paulo no próximo domingo.

Fato é que a postura do time despertou a ira de parte da torcida, indignada com o que chamou de falta de respeito, de amor à camisa... a ponto do Juca Kfouri, roxo, afirmar que o desempenho do Corinthians foi vergonhoso. E eis que então, pra selar o assunto, o jornal oficial do clube me vem com aquela manchete na segunda-feira...

Mesmo assim, eu não entendo e não concordo com quem faz agora essa celeuma em torno de Flamengo x Grêmio, que vale o hexa para o rubro-negro e nada, absolutamente nada, para o tricolor.

É o mesmo que comparar a pelada descompromissada semanal de qualquer boleiro com aquele jogo de campeonato da empresa, que vale troféu, rixa, gozações até o torneio seguinte etc.

Ninguém se esforça da mesma forma nas duas situações.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A Incrível Saga do Hexa (ou "Nunca Mais Venha Me Dizer Que VOCÊ É Muito Rubro-Negro, parte II")

Do aeroporto de Viracopos rumamos para o Brinco de Ouro num táxi, ao preço de 55 reais. Como éramos três, achamos bem mais razoável que ficarmos andando de ônibus numa cidade desconhecida e cheia de torcidas organizadas do Corinthians apenas para economizar uns trocados. Nada razoável foi o tempo que levamos para chegar, não mais de quinze minutos... Pelo menos o motorista nos deixou de cara para a entrada reservada à nossa torcida, onde um mar de gente nas cores preta e vermelha e outro de policiais me fez sentir mais seguro. Nunca caí nesse papo de "torcidas co-irmãs". Apesar disso, ali pelas cercanias do estádio, o clima era pacífico, com rubro-negros e corintianos para todos os lados. À entrada, a polícia militar organizava as filas e fazia a revista. Foi nossa primeira surpresa:

- Não pode entrar de mochila.
- Hã? Mas eu abro, tiro tudo, pode revistar a mochila...
- Não pode entrar de mochila.
- Mas nós viemos do Rio, não estamos de carro, onde vou deixar a mochila?
- Não sei.

Não faz o mínimo sentido. Ainda tentei imaginar um motivo, como a possibilidade de tirar a alça da mochila para enforcar alguém, sei lá. Mas aí pensei que não pode ser esse, pois se eu quisesse enforcar alguém, poderia usar o cadarço, o cinto, a camisa... Pra nossa sorte, um estacionamento de restaurante ao lado aproveitou a situação para improvisar um guarda-volumes. Mais dez reais e pudemos finalmente entrar.

O estádio do Guarani é feio, sujo, desconfortável e perigoso. Logo na entrada do chamado tobogã, onde fica a torcida adversária, um túnel escuro, de teto baixo e não tão largo, dá acesso. Em caso de tumulto com casa cheia, um convite à tragédia. E trata-se da única entrada para aquele setor. Arquibancadas à antiga, sem assentos. Não há grades. Durante o jogo, dezenas se amontoavam nas quatro escadas de acesso, em outro convite a acidentes. Banheiros impraticáveis, alagados até o joelho. Polícia, quase nenhuma - basta dizer que, durante o jogo, um grupo atrás de nós fumou um cigarro de maconha como se estivesse no posto 9, em Ipanema. De longe deu pra perceber que cabines de rádio e tv continuam no século passado. Mas o que mais chamou minha atenção foi a estrutura montada sobre o teto do único setor coberto para as câmeras de transmissão. Dá pra imaginar que, com chuva e vento fortes, nada continue de pé ali. E que, como Campinas não terá jogos da Copa, a CBF vá deixar tudo correr assim até o século que vem.