sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Futebol, TV, Dinheiro e Uma Boa Briga

O próximo onze de março, uma sexta-feira, não terá futebol. Mas pode ser a data de uma mudança histórica, com consequências para todo e qualquer envolvido com a maior paixão popular do país, seja boleiro, técnico, jornalista, dirigente ou torcedor.

Às dez horas da manhã deste dia, se encerrará o prazo para que as emissoras interessadas enviem suas propostas para a aquisição dos direitos de transmissão dos Campeonatos Brasileiros de 2012, 13 e 14. A abertura dos envelopes - a licitação feita pelo Clube dos 13, publicada ontem, prevê ofertas fechadas - será feita em solenidade pública aberta à imprensa. Mas eu duvido muito que alguma rede de tv se interesse em mostrar ao vivo o resultado. Ou, talvez, apenas uma, como explicarei adiante.

Para situar quem não acompanha os bastidores - felizes daqueles que só sabem da bola - vale um rápido resumo. Há vinte e seis anos a TV Globo transmite o futebol brasileiro. Desde 1987, negocia os direitos de transmissão diretamente com o Clube dos Treze, que reúne as principais equipes do país. O contrato atual, que se encerra ao fim desta temporada, custou aos cofres da emissora (na verdade, aos seus anunciantes) a bagatela de 250 milhões de reais. Na negociação, feita em 2008, a TV Record chegou a acenar com uma proposta escandalosamente alta, em torno de 700 milhões. Mas tirou o time, na última hora, acusando o Clube dos 13 de dar à concorrente um direito de preferência que a impedia de vencer.

Só que, agora, tudo vai ser diferente. Como foi, aliás, quando da compra dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Londres, adquiridos pela emissora do bispo por 60 milhões de dólares. O Cade - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que tem como função orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico - está de olho em tudo. E na reunião marcada para a próxima terça com dirigentes do Clube dos 13, reafirmará, entre outras coisas, que não permitirá qualquer benefício a A, B ou C.

O Clube dos 13 estipulou a oferta mínima em 500 milhões de reais anuais, dando à TV Globo, como bônus, uma vantagem de 10% sobre as demais ofertas - uma espécie de "obrigado" pelos serviços prestados nas duas últimas décadas. O que, para mim, já parece um benefício.

OS CLUBES

Desde 87, ano de sua criação, o Clube dos 13 se viu diante de uma complicada equação matemática - como dividir o dinheiro dos direitos de transmissão entre clubes de tamanho, peso, torcida e prestígio tão diferentes. Como em qualquer divisão de bolo, todos querem a maior fatia. Hoje, Flamengo, Corinthians, São Paulo, Vasco e Palmeiras recebem o mesmo tanto. Que é superior ao destinado ao Santos. Que ganha mais que Fluminense, Botafogo, Inter, Cruzeiro, Grêmio e Atlético Mineiro. Os demais integrantes estão num patamar ainda inferior.

Por conta dessa divisão, a semana que se encerra foi pontuada por ameaças, bravatas e, principalmente, voltas atrás. Os quatro grandes do Rio chegaram a anunciar, oficialmente, a saída do Clube dos 13, afirmando a intenção de negociar, em grupo, seus direitos de imagem. Voltaram atrás no dia seguinte, quando negaram a desfiliação. O Corinthians, por sua vez, continua com a posição de desligamento. Chegou, inclusive, a conversar em separado com a TV Record. Mas também não saiu do Clube.

O motivo é simples - dinheiro. Imaginaram um cenário em que a negociação em separado os beneficiaria. Com o passar dos dias - e as consultas jurídicas e econômicas - viram que sair não seria tão fácil. Além de, provavelmente, não tão lucrativo. Num novo contrato, por exemplo, o Fluminense passaria dos 23 milhões atuais - mesma quantia recebida pelos grandes mineiros, gaúchos e pelo Botafogo - para 36 milhões. E isso, considerando-se apenas o dinheiro da tv aberta - pela primeira vez, plataformas como a tv fechada, internet e celular serão negociadas separadamente. Alguém em sã consciência consegue imaginar o Flu conseguindo arrancar 36 milhões anuais de Globo ou Record por seus jogos?

Fora isso, ainda há a questão do conceito de direito de imagem em si. Se um clube fecha com determinada emissora, esta só pode mostrar seus jogos se os seus adversários também tiverem fechado com ela. Do contrário, a transmissão se inviabiliza. Se o Flamengo fechasse com a Globo e o Corinthians com a Record, não teríamos os dois jogos entre os clubes na TV. O ponto final é dado pelo próprio Cade, que não autorizou a livre concorrência para cada clube e sim para o campeonato inteiro.

Some-se a isso tudo o curto tempo até a abertura dos envelopes, coisa de pouco mais de duas semanas, e fica a quase certeza de que toda a movimentação dessa semana não passou de alvoroço de dirigentes embevecidos com tantos cifrões.

AS TVS

Entre os que defendem a manutenção do futebol na TV Globo, os argumentos principais são a audiência e qualidade de transmissão superiores da emissora carioca.

A mesma que me faz, às quartas-feiras, sair do estádio já na quinta, para acordar morto de sono, poucas horas depois. Hoje, o futebol de meio de semana começa às 22h, horário só praticado no Brasil e totalmente incompatível com qualquer conceito moderno de marketing esportivo ou segurança pública.

A audiência, claro, é do futebol - e não da Globo. Para onde ele for, ela vai junto, pois ninguém vai parar de assistir aos jogos de seu time na TV porque o Galvão não os narra mais. O argumento restante - de que a audiência "não-futebol" da Globo será sempre maior, rendendo mais exposição aos anunciantes em seus programas e telejornais, também é questionável. As constantes reuniões de seus executivos preocupados com o crescimento da concorrente e com seus empregos servem de contra-argumento.

A questão do know-how chega a ser risível. Expertise e profissionais são adquiridos com muito mais facilidade que direitos de transmissão - e a Record teria um ano inteiro para isso.

O 11 DE MARÇO

Você já jogou poker? Domina a arte do blefe?

A mão começa em 500 milhões. Mas um dos jogadores tem um ás na manga que lhe dá 10% de vantagem sobre os demais. Que, na realidade, é apenas um - Band e Rede TV, apesar de convidadas, não entrarão nesta briga.

Quem tem o ás na manga depende do dinheiro dos anunciantes. Ganha muito, mas também gasta demais. Vive buscando maneiras de equilibrar seu orçamento e ainda lembra bem dos efeitos catastróficos da última grande crise. Só para mensurar o que significa pagar 500 milhões de reais por ano pelo futebol, basta dizer que o BBB 11, o de menor audiência mas de maior faturamento da série, rendeu 400 milhões de reais, o que foi considerado um resultado arrebatador.

O desafiante, que obrigatoriamente terá que oferecer 10% a mais para quebrar a mesa, também tem seu ás na manga. São milhões de fiéis. Talvez bilhões de reais em notas de dois, cinco, dez reais. Dízimo. Investigações do Ministério Público tentam provar que a origem do dinheiro não é legal e que TV e igreja, no fim das contas, são a mesma coisa.

E enquanto o MP não consegue seu objetivo, nada melhor para lavar uma inacreditável quantidade desse dinheiro de uma só vez que fazer uma oferta astronômica no próximo dia onze. Fala-se, hoje, em coisa de 700 milhões - mesma quantia da oferta retirada em 2008.

Não sei. Fosse eu, lavaria um pouco mais.

Porque essa é a chance que a concorrente espera há tempos. Um momento na história, que faz parte de um plano bem pensado e elaborado. Se Londres foi um soco no estômago, o Brasileirão seria um cruzado no queixo.

De levar à lona.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

R9

O ano era 1999, como na música daquele que um dia se chamou Prince. Confortavelmente apertado entre meus companheiros Sergio Costa e Andréa Bruxellas, seguia para Buenos Aires e, depois, Mar Del Plata, onde cobriria um Sul-Americano de Natação. Meu jornal já havia sido desmembrado entre os três, mas só a página de esportes interessava não somente a nós, mas a todos naquele avião. "RUPTURA DO TENDÃO PATELAR". Algo de que nunca ouvira falar. Tão aparentemente grave quanto as imagens do dia anterior, quando o joelho de Ronaldo havia "desmontado" no meio de uma arrancada. Entre infográficos - acho que esse termo ainda nem era usado na época - e opiniões de diferentes médicos, uma certeza: dificilmente ele voltaria a ser o mesmo, se voltasse a jogar futebol.

Três anos depois, em Seul, lá estava eu, no meio do bloco de carnaval que percorria os corredores do International Broadcast Center, curtindo com a cara de jornalistas argentinos, ingleses e, principalmente, alemães, enquanto cantava a plenos pulmões o penta conquistado com dois gols de Ronaldo na final.

Um dos baratos de se envelhecer, quando se é um jornalista esportivo, é começar a valorizar a chance de ter podido acompanhar, do início ao fim, carreiras como as de Ronaldo. Uma história bonita, repleta de tudo que um astro do rock, digo, futebol, pode querer. E que, por isso mesmo, termina com um quê de novela burlesca.

Ronaldo nos deu uma Copa, com oito gols em 2002. Nos tirou outra, com sua misteriosa convulsão antes da final em 98. Ou talvez duas, tendo sido o "Presidente" da turma do oba-oba e da balança em 2006.

E quem há de dizer que essa balança pesa contra ele, o maior artilheiro de todas as Copas e herói do penta?

Ronaldo foi três vezes eleito o melhor do mundo, numa época em que ser o melhor era estar acima de nomes como Zidane, Figo e Weah. Também por três vezes superou graves lesões nos joelhos, duas delas em joelhos diferentes, a tal ruptura patelar. E eu estava entre os que duvidaram de seu retorno ao campo em ambas, principalmente a segunda, há apenas três anos, quando o craque já tinha 31.

Ronaldo foi craque, sim. Da bola e do marketing. Se associou à gigante Nike como nenhum boleiro havia feito antes. Tornou sua imagem mundial. Tornou-se um ídolo mundial. O que só fez aumentar a repercussão de seus escândalos e desentendimentos, fosse com travestis, esposas ou até seu assessor. E tudo ísso apenas arranhou sua imagem.

Foi traidor não uma, mas duas vezes, no tortuoso caminho Barcelona-Internazionale-Real Madrid-Milan. Foi gênio no Barça, mas saiu. Ídolo na Inter, mas saiu - depois de quinze meses recebendo salários em dia enquanto se recuperava da lesão de 99. No Real, coexistou com galáticos mas não levantou as taças esperadas. No Milan, já era uma sombra de si. E ainda teve o Corinthians, onde foi decisivo para as conquistas de um Campeonato Paulista e uma Copa do Brasil. Mas saiu pressionado por uma chuva de moedas e críticas.

E assim sai do futebol. Quem há de dizer que sai tarde? (Cedo, certamente, ninguém).

Ronaldo foi até onde pôde. Chegou onde jamais sonhou.



Ponto final posto, resta discutir o verdadeiro lugar dele na história do futebol. Ronaldo entra, claro, diretamente no panteão dos maiores atacantes de todos os tempos. E aqui já me limito a eles, os atacantes, pois se abrir mais a lista, entrarão umas duas dúzias de craques na frente dele.

Tiro os títulos, os gols em Copas, os comerciais e a idolatria mundial. Fico apenas com a bola.

E aí, sou mais Romário. E, se fosse pro meu time, Marco Van Basten, em seus tempos de glórias e tornozelos inteiros.

Questão de gosto, pura e simples.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

The Twilight Zone

Nesta quarta, dois de fevereiro, milhões de rubro-negros - além de um bom bocado de torcedores de outras equipes - serão testemunhas de uma história com cara de episódio da série Além da Imaginação:

Ronaldinho Gaúcho, duas vezes eleito o melhor do mundo, pentacampeão mundial com a seleção brasileira, eleito o melhor jogador da década passada, estreia no Flamengo, no Engenhão, contra o Nova Iguaçu, pela quinta rodada do Campeonato Carioca.

Até ouço a inesquecível trilha de abertura enquanto releio o parágrafo acima.

Imponderável - não há Maraca - e questionável - o adversário de estreia - à parte, ninguém, absolutamente ninguém em sã consciência seria capaz de imaginar que, aos trinta anos de idade, Ronaldinho acabaria no Flamengo; não como Romário, que retornou ao Brasil, em 95, no auge, e sim como seu xará mais pesado e laureado, outro penta mundial que também preferiu pendurar as chuteiras por aqui.

Que Ronaldinho esperar? O genial, de 2004 e 2005? Ou o boêmio, de 2010 e... 2003. Já naquele ano, o técnico do Paris Saint Germain, Luis Fernández, meio-campo da seleção francesa durante uma década, criticava o brasileiro por conta de seu gosto exagerado pela vida noturna. Paris, Barcelona, Milão, 30 ou 23 anos, não importa - Ronaldinho não mudou com o tempo, não se deixou deslumbrar pelo sucesso. Ele sempre curtiu a fama da melhor forma possível. Quem se impressionou, agora, pelo oba-oba em torno de sua vinda para o Flamengo, pelas idas e vindas promovidas pelo irmão-empresário Assis, não deve se lembrar que, entre fevereiro e agosto de 2001 - oito meses, portanto - Ronaldinho ficou parado, impossibilitado de jogar, por conta da disputa judicial entre o Grêmio, time que ele abandonou, e o PSG.


Estes talvez também não lembrem que, em julho de 2008, há apenas dois anos e meio, era a torcida do Milan que vivia a expectativa que a nação rubro-negra vive agora. A mesma que toda a torcida brasileira viveu em 2006, no Mundial da Alemanha, quando Ronaldinho já não demonstrava interesse pelo futebol. Ou dois anos depois, nas Olimpíadas de Pequim, quando o Gaúcho, no meio de garotos, nenhuma diferença fez, selando de vez seu destino enquanto Dunga fosse o técnico da seleção. Acabou vendo a Copa de 2010 pela tv. Ou não. Ronaldinho sempre disse que não gosta de assistir a jogos de futebol (embora tenha estado nos últimos do Fla, sempre no camarote da presidente Patrícia Amorim).

Fadado ao fracasso, então?

Depende. Basicamente, de uma questão de vontade.


Ronaldinho conquistou tudo que um jogador profissional pode querer. Mas não conquistou tanto. Com a seleção, foi campeão do Mundo, das Copas América e das Confederações. Pelo Barcelona, foi eleito o melhor do mundo duaz vezes, campeão da Liga dos Campeões e espanhol. Por estas bandas, só o título gaúcho de 99.

Aos trinta anos, ainda poderia querer muito mais. A questão retorna: ele quer?

Porque o querer depende, basicamente, daquela vontade de ser o número um, estar sempre no topo. Como escrevi aqui em outro texto, trata-se daquela obsessão que une nomes como Jordan, Schumacher, Valentino e outros. Algo que, todos concordam, o Gaúcho perdeu pelo meio do caminho.

E se jogar no Barça um dia já não mais o motivou, se ser ídolo em Milão não fez sua cabeça, que oportunidade melhor para quem precisa de motivação do que jogar no clube de maior torcida do país? Ronaldinho não precisa ter nascido em Quintino, nem ser torcedor do Flamengo desde criancinha para saber o que significa defender suas cores, como o próprio disse, em sua apresentação.

E que chance melhor que estar num clube que se renova de esperança, após um 2010 pífio, quando todos ainda comemoravam o fim do jejum de 17 anos sem título brasileiro? Que situação melhor que estar sob o comando do treinador que o levou para a seleção brasileira? Tudo conspira a favor dele.

Basta querer. E é aí que a porca torce o rabo e eu tiro de campo minhas impressões como jornalista para explicar, através de meus quase trinta anos de arquibancada, aquilo que é mais importante Ronaldinho saber, a partir de amanhã:

Essa torcida não perdoa a falta de vontade.

Essa torcida ignora até a falta de talento se o sujeito deixar o sangue em campo. Perguntem a Willians, ou mesmo ao Toró, porque eles nunca foram vaiados (ou perguntem ao Juan, agora no São Paulo, como é cair em desgraça por conta da falta deste sangue).

Essa torcida elege ídolos eternos por conta da identificação com esse espírito, sejam eles vencedores, como Zico e Pet, ou nem tanto, como Romário (que quase nada conquistou pelo clube). Assim como não perdoa traidores, mesmo que, um dia, tenham se imbuído desse espírito (como Renato Gaúcho e Bebeto, por exemplo).

Eu, como profissional, me mantenho cético - assim como cético fui quando Adriano retornou, em 2009, e nós acabamos campeões brasileiros.

Eu, como torcedor, vou apoiar e incentivar qualquer um que vista o manto. E vaiar e cobrar e exigir daqueles que não entendem o que é defender o Flamengo.

* * *

Se o espírito de Ronaldinho, o mesmo espírito que perdeu o viço lá pelos vinte e cinco anos de idade, não se renovar, não se deixar contaminar por esse sentimento, então será o fim.

E, assim como outros que deixaram de encarar o futebol como paixão para tê-lo apenas como profissão, ele poderá angariar mais alguns milhões na MLS ao lado de ex-parceiros e adversários como Henry e Beckham. O que seria um capítulo final nada glorioso para quem, um dia, foi comparado a Pelé e Maradona.