domingo, 11 de setembro de 2011

Amargos Dezesseis.

Estava no meio de um workshop da agência de notícias Reuters, num hotel em Copacabana, quando recebi a notícia de que um avião havia se chocado contra uma das torres do World Trade Center.

Todo mundo lembra onde estava e o qua fazia quando soube dos atentados do onze de setembro de 2001.

Dois anos antes, num 22 de julho, me encontrava na redação semi-vazia do Sportv quando assisti pela tv ao inesperado fracasso na tentativa de uma vaga para as Olimpíadas de Sydney, naquele pré-olímpico realizado em Porto Rico. Após duas vitórias e duas derrotas na primeira fase, fomos batidos por Canadá, Estados Unidos e Argentina nas quartas, deixando de participar pela primeira vez de uma edição dos jogos olímpicos.

Quatro anos mais tarde, naquele 28 de agosto de 2003, a redação estava ainda mais vazia e eu, perplexo, não encontrava palavras para escrever o texto da derrota diante do México que encerrava de forma pífia nossa participação no pré-olímpico, novamente em Porto Rico, dessa vez num vergonhoso sétimo lugar, depois de quatro derrotas seguidas na fase de quartas-de-final, para Argentina (2 pontos), Canadá (4), Porto Rico (2) e o tal México. Estávamos fora novamente.

No dia primeiro de setembro de 2007, estava à beira da quadra do ginásio da UNLV, em Las Vegas, quando perdemos para a Argentina por 91 a 80, da forma mais doída possível.

Onze meses depois, no 18 de julho de 2008, assisti da tribuna de imprensa do ginásio olímpico de Atenas ao fim do sonho do retorno, por conta da derrota por 78 a 65 para a Alemanha, que nos deixava de fora dos Jogos de Pequim.

Dá pra imaginar como foi minha noite ontem.

O choro ao fim foi um misto de raiva, alívio, orgulho e emoção de quem viu caras como Marcelo, Guilherme, Alex, Tiago, Huertas tentarem e tentarem e tentarem, sem sucesso. Nenê, Leandrinho, Ânderson, Valtinho, Murilo, Marquinhos, Rafael - foram tantos os nomes e as histórias ao longo desses dezesseis anos.

Dezesseis anos acompanhando carreiras iniciarem e acabarem sem a realização do sonho olímpico. Década e meia de piadinhas sem graça, provocações jocosas, crises, campeonatos inacabados, times e técnicos e presidentes que vieram e foram, além de títulos e mais títulos no vôlei, pra tornar tudo ainda um pouco pior de levantar depois de tantos anos andando pelas sombras.

Parou-se de ver basquete na tv aberta, a tv que todo mundo vê.

Ontem, doze caras, um genial técnico argentino e uma comissão técnica disposta a aprender com ele reergueram nosso basquetebol. Como nosso orgulho, ele agora está de pé, não sente mais vergonha de ser quem é e acredita que dias melhores virão.

Certeza que vem das convicções que emanam de um homem que foi capaz de se entregar como poucos fariam ao objetivo de disputar mais uma olimpíada, dessa vez, vejam só, comandando a seleção rival, vaiada e secada impiedosamente em Mar del Plata, como era de se esperar, assim como se esperava ver homenagens da mesma plateia a esse senhor chamado Rubén Magnano, logo ele, que como técnico nem medalha ganha e tem apenas dentro de si, na mente e na alma, o sabor e o significado de um ouro olímpico.

Serão 320 dias até Londres. Tempo suficiente para acreditar em mais do que apenas participar novamente da festa.


Nada mais apropriado ontem que a atuação de Marcelo Machado. Que dentre todos que tentaram ao longo dos últimos dezesseis anos foi quem mais esteve presente, mais tomou porrada de todos os lados e nunca fugiu da responsabilidade, da última bola, do próximo arremesso.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Sobre Maçãs E Bananas.

É da natureza humana.

Ana Hickman ou Alessandra Ambrósio? Android ou iOS4? Burguer King ou McDonald's?

Eu prefiro a Ana, apesar da beleza da Alessandra, talvez por conta da voz, e não das pernas, como seria de se supor. Não troco a liberdade do Android por nada, apesar de muitos acharem que qualquer coisa com a marca da maçã seja, na verdade, uma dádiva divina, através de Steve Jobs, para nós, mortais. E não há sanduba da cadeia do palhaço Ronald que supere um suculento Triple Stacker com a marca do reizinho. Mas essas, claro, são as minhas opiniões.

Assim é com o Barcelona. Para uns, o melhor time de todos os tempos. Para outros, apenas um entre os melhores.

Cabral ou Colombo? Kant ou Nietzsche? Van Gogh ou Rembrandt?

Comparações são muito mais antigas que o esporte, instrumento relativamente recente da raça humana. As olimpíadas modernas datam de pouco mais de cem anos, assim como o futebol e o basquete. A Copas do Mundo, o voleibol, o MMA - tudo isso é absurdamente novo em termos históricos e, mesmo assim, suscitam a mesma e eterna pergunta: quem é o melhor?

O esporte traz essa questão em sua essência. Busca-se a primazia, não a excelência. De pouco ou nada adianta estar entre os melhores, se nunca se chega a ser O melhor. Rubinho é o exemplo perfeito. A discussão sobre quem é o maior de todos os tempos é sempre mais interessante que aquela em que se repensa o papel de determinados atletas em seu tempo (a aqui não estou pensando em Rubinho como exemplo).

Ipanema ou Leblon? Lula ou FHC? Nikon ou Canon?

Barcelona, Messi e Scottie Pippen são os agentes motivadores desse post. Do Barça, todos sabem, todos viram, todos falam. O Marca já botou o argentino que é o astro do time acima de Pelé. Outros também o fizeram.

Pippen ateou fogueira de bem menos brasas ao dizer, essa semana, que Jordan pode ter sido um melhor cestinha, mas que LeBron James é o melhor jogador a já ter pisado numa quadra de basquete. Em todos os tempos. Pouco depois, via twitter, deu uma atenuada no comentário, afirmando que MJ ainda é o maior, mas que James pode vir a se tornar o mais completo. Já era tarde. Depois de vários nomes de peso terem partido em defesa de Jordan, Kareem Abdul-Jabbar, um dos maiores, botou em seu website uma "Carta Aberta a Scottie Pippen: Quão Cedo Eles Esquecem". Título genial. Tanto quanto a frase "seus comentários são equivocados por causa de sua perspectiva limitada." Eu, fã de Pip que sou, vou considerar que ele quis dar uma provocada no amigo MJ.

Coca-Cola ou Pepsi? Avid ou Final Cut? Feijoada ou churrasco?

Mas e o Barça? E Lionel?

Será mesmo que esse Barcelona, por melhor que seja, é tão superior a alguns esquadrões que não me saem da memória? Como o Milan que tinha Baresi, Maldini, Rijkaard, Gullit e Van Basten. Ou o Flamengo de Leandro, Júnior, Andrade, Adílio e Zico. Ou o Brasil de Carlos Alberto, Gérson, Rivelino, Tostão e Pelé?

Dani Alves, Xavi, Iniesta, Messi e Villa. Eu vi dois dos três que citei acima. Mas nem preciso ter visto a seleção de 70 mais do que já vi para saber que esse Barça pode, sim, estar na mesma discussão com os demais. Se é melhor ou não, aí é aquila velha questão...

Praia ou serra? Monica Mattos ou Cinthia Santos? Geisha Hi-Tech ou Kotobuki?

Com Messi, a questão fica ainda mais subjetiva que isso. Idade, títulos, gols, os parâmetros são variados. Os intangíveis também - idolatria, marketing, vídeo games. O mundo mudou, acelerou, massificou do Lionel à Mallu Magalhães. Tudo hoje é muito maior, grandioso e... efêmero. Dessa mesma discussão de agora, eu fugi em 2004, quando após duas temporadas soberbas, Ronaldinho era o sujeito da eterna pergunta. E Messi, estará a nos encantar assim daqui dois, três, quatro anos?

Pra mim, até Zidane ainda ocupa degrau mais alto. E enquanto Lionel não conquistar uma Copa, fica ali no mesmo time de Zico, Cruiff e Platini. Uma bela meia-cancha.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Isso É Tão Gay.

O reconhecimento da união homoafetiva.

As cretinices do deputado Bolsonaro.

O beijo gay na novela.

O respeito à diversidade sexual nunca teve momento tão propício para discussão no Brasil.

Enquanto por aqui o STF deu um passo histórico e avançou léguas em direção ao norte idealizado por todos quando pensamos em direitos humanos, lá nos Estados Unidos, onde apenas cinco estados reconhecem a união legal entre indivíduos do mesmo sexo - e a Califórnia não é um deles -, dois fatos recentes me fizeram pensar sobre como o esporte lida mal com a questão do homossexualismo - aqui e lá.

Há duas semanas, na série contra o Dallas Mavericks, Kobe Bryant, um dos mais famosos atletas do mundo, foi flagrado pelas câmeras de tv resmungando ofensas do banco contra um dos árbitros daquela partida - uma das quatro surras levadas pelos Lakers que fizeram o astro do time experimentar um nível de frustração considerável.

O pecado de Kobe foi ter usado a palavra fagot, que seria o nosso bicha ou viado. Acabou multado pela NBA em 100 mil dólares, mesmo tendo se retratado pela ofensa.

Domingo, na derrota dos Bulls para o Miami Heat, Joakim Noah, pivô do Chicago, estava sentado no banco de reservas quando ouviu de um torcedor do time da casa uma ofensa dirigida à sua mãe. Torcedor, diga-se, que estava sentado a uns três metros dele, que respondeu com um sonoro "foda-se, viado" e, assim como Kobe, foi pego pelas lentes da tv. Depois de muita celeuma - imaginem, na América, dois casos assim em duas semanas, que prato cheio -, com jornalistas defendendo multa ainda maior ou mesmo uma suspensão, Noah ficou 50 mil dólares menos rico. Filho do ídolo do tênis Yannick Noah, com raízes em Camarões, criado bem no meio do SoHo, em NY, Joakim é um dos atletas mais antenados e multi-culturais da liga, apesar da idade. Um jovem que teve berço de ouro, bem diferente do estereótipo vim-do-gueto-sou-o-alfa-aqui-porra. Antes mesmo da multa, pediu desculpas publicamente. Explicou que não quis ofender ninguém, que foi apenas um xingamento comum em resposta a outro bem mais grosseiro. Mas não foi menos crucificado por isso.


O que me leva ao caso Michael, central do time do Vôlei Futuro. Aquele que, na primeira partida das semifinais da Superliga, em Contagem, foi ofendido pela torcida do time da casa, o Cruzeiro. Michael é homossexual assumido.

No entendimento do STJD, através de decisão do relator do processo, Luiz Tavares, o caso foi enquadrado no artigo 243-G (praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência), parágrafo 2º do Código Brasileiro de Justiça Desportiva que diz respeito a torcedores. O Cruzeiro acabou multado em 50 mil reais. A pena mínima era 100, a máxima, 100 mil. O Vôlei Futuro ficou pelas semifinais, o campeonato acabou e ninguém fez enorme questão de aprofundar a discussão sobre o fato, frágeis que são esses ovos.

Na época, meu primeiro pensamento foi: fodeu, agora todo clube de futebol será multado quando jogar em casa contra o Atlético Mineiro do Richarlyson - que não é homossexual assumido. Ou será que a regra, pro STJD, vale para o vôlei e não para o futebol? Ou será que só se trata de homofobia quando a ofensa é dirigida a um homossexual que tenha saído do armário? E se eu xingar meu irmão de viado na pelada, posso ser preso? Aliás, sair do armário é uma expressão politicamente correta ou estarei sendo homofóbico?

E usar uma pitada de ironia nesse texto, eu ainda posso?

Numa boa: é necessário, nesse amplo território que continua a se abrir na medida em que nos habituamos à diversidade do novo milênio, termos também muito cuidado com os excessos.

Porque eu não conheço um único torcedor de arquibancada, seja do esporte que for, que não xingue, grite e faça sua catarse quando torce por seu time. O que inclui chamar o homem do apito de filho da puta quando ele erra, o atacante adversário de viado quando ele simula pra ganhar tempo e cantar no ritmo dos tambores da torcida aquelas músicas com elogios impublicáveis às organizadas adversárias e à PM.

Na minha opinião, o esporte é espaço para isso e seu universo, até ontem, sempre soube lidar com essas permissões de maneira hábil. O que me faz pensar sobre como a mídia e o STJD fariam, hoje, com um árbitro como o saudoso Jorge Emiliano, o Margarida, que apitava na primeira divisão do futebol brasileiro na década de 80 e, entre outras polêmicas, agrediu uma jogadora em 1989. Ou como seria se todos os atletas gays decidissem, de uma hora para outra, sair do armário. Porque, numa boa, depois de quinze anos trabalhando com esporte, eu ainda me espanto como esse parece ser um universo exclusivamente hetero aos olhos da maioria. O que, na realidade, está longe de ser, como qualquer outro setor da sociedade.

Provocações de conteúdo sexual são inerentes ao universo masculino. Meninos se provocam, jovens, homens adultos também. É normal que levem isso para o esporte, sejam atletas ou torcedores. Acontece naturalmente. E, por isso, eu acho que o Cruzeiro jamais deveria ter sido multado se a torcida mineira tivesse ficado apenas no coro de "Bicha!", que pode nascer espontaneamente em qualquer estádio ou ginásio. E aí, pra mim, tanto faz se o coro é pro Michael, pro David Beckham, pro Bebeto ou pro Richarlyson.

Mas é mesmo muito complicado, hoje, o limite entre o aceitável e o condenável. Já é a coisa mais normal do mundo - ainda bem - que dois homossexuais se encontrem numa loja de conveniência e se cumprimentem efusivamente desta forma: "Bicha! Há quanto tempo!". A mocinha do caixa acha graça, o senhor na fila solta um sorriso de canto de boca. Mas, se na mesma loja, eu virar pra um amigo e mandar um "Deixa de ser viadinho", por qualquer motivo, certamente serei visto por alguém como um porco preconceituoso, quiçá um monstro homofóbico.

E eu não sou.

E o termo é usado por todos que conheço, das mais diferentes formas, e nem por isso as pessoas estarão querendo realmente ofender alguém quando o usam.

É aí que, me parece, está o grande problema. Na busca pelo politicamente correto, há dois caminhos: 1) surge o heterofóbico, aquele que enxerga homofobia onde não há e 2) abre-se caminho para que qualquer um acredite que ser politicamente incorreto é o que há, como escreve muito bem em seu blog no site do Estadão o sempre bom Marcelo Rubens Paiva. Eu concordo plenamente com o que ele defende - na distância entre o 8 e o 80, confunde-se liberdade de expressão com apologia ao uso de drogas, bom (ou mau) humor com falta de respeito. E, para cada caso, há um limite de tolerância diferente.

Então vamos combinar o seguinte: nem lá, nem cá; nem o exagero, nem o vale-tudo; nem heterofobia, nem muito menos a homofobia - fico com o respeito ao próximo, seja qual for sua crença, raça ou orientação sexual. Porque a vigilância exagerada, nesses casos, pode ser, sim, nociva. Ou até ridícula, como no caso envolvendo Kobe e Noah, em que a NBA passou a seguinte mensagem: sabemos que, num jogo, há palavrões o tempo todo e também xingamentos. Mas usar a palavra fagot está proibido, ok? Prefiram motherfucker, cocksucker, son of a bitch etc. E lembrem-se - cuidado com as câmeras.

E assim eu posso continuar sendo um fã de South Park sem me sentir mau por isso.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

É Tudo Bola - De Cristal

Há dois anos, por essa época, escrevi um post que tinha exatamente este título.

Estava prestes a começar o campeonato brasileiro de 2009 e eu previ que o Internacional levaria o título. Aquele time começava o campeonato com um ataque formado por Nilmar e Taison, um meio que tinha (e ainda tem, incrível!) Guiñazu e D'Alessandro. Acabou sendo vice.

O Flamengo, pra quem eu imaginei, na melhor das hipóteses, um quinto lugar, foi o improvável campeão. Começou aquele campeonato com Josiel, Obina e Maxi como opções de frente.

Imaginei que São Paulo e Cruzeiro terminariam na segunda e terceira posições - foram o terceiro e o quarto, no fim das contas.

Mas eu previ que o Avaí cairia e ele foi o sexto...

"Prever" um campeonato como o nosso é tarefa árdua. Nenhum torneio no mundo sofre tanto com o desencontro com o calendário europeu - que faz da nossa janela de transferências uma verdadeira guilhotina para os clubes daqui. Nem com as distâncias continentais, que os obrigam a viagens inimagináveis para outras culturas. E também não há outro lugar do planeta onde a parca capacidade de quem gere os clubes crie cenários de instabilidade como aqui, onde a falta de dinheiro em caixa só reforça as muitas dificuldades para se montar um time competitivo. Quem há de garantir que Neymar, Ganso, Lucas e Damião terminarão a temporada aqui? E ainda há a Copa América da Argentina e o Mundial Sub-20 da Colômbia, prontos para desfalcar ainda mais os pretendentes ao título durante várias rodadas.

Por isso, ao contrário de 2009, desisti da análise minuciosa de cada equipe. Me ative às possibilidades de desfalques e reforços ao longo do ano, ao relacionamento técnico-torcida e à capacidade (ou falta de) dos dirigentes para o planejamento da temporada. Além, é claro, de não esquecer o passado recente de cada clube, que sempre tanto tem a nos ensinar sobre o futuro. E ainda o fato de que muitos dos vinte participantes não jogarão em seus estádios por conta das obras para a Copa de 2014.

Então, sem mais delongas, aí vai o meu palpite para o Brasileirão 2009:

1º - Santos
2º - Cruzeiro
3º - Internacional
4º - Flamengo
5º - São Paulo
6º - Grêmio
7º - Corinthians
8º - Coritiba
9º - Atlético MG
10º - Fluminense
11º - Palmeiras
12º - Vasco
13º - Avaí
14º - Botafogo
15º - Ceará
16º - Atlético PR
17º - Bahia
18º - América MG
19º - Figueirense
20º - Atlético GO

Quem cai? Quem vai pra Libertadores? O boteco está aberto a todos.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Tristes Verdades.


"Uma cruz branca erguida sobre a favela do morro dos Macacos marca o local onde pessoas são queimadas vivas. Um cavalo faminto, costelas saltando, está amarrado ali perto por uma fina corda. Um campo de futebol próximo está pontilhado de pedaços de borracha derretida. Partidas não são jogadas aqui. A "gangue" Amigos dos Amigos, que comanda a favela, tem um ritual: seus membros envolvem seus inimigos com pneus, os cobrem com gasolina e ateiam fogo. Isso é chamado microondas. Fumaça negra sobe no ar. Numa escola morro abaixo, perto do famoso estádio onde a cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2016 será realizada, os estudantes ouvem os gritos e cobrem os ouvidos. Esse é o Rio na vida real."

Essa é a abertura do texto assinado por Wright Thompson, repórter-sênior do website da gigante ESPN. São doze páginas e vinte fotos que, à esta hora, já foram lidos por milhões de pessoas em todo o mundo, e mereceram o lugar de primeira matéria do Jornal da Globo desta quarta, por conta da repercussão negativa causada pelas impressões do jornalista americano.

Eu, que li o texto ontem bem cedo, fiquei surpreso. Afinal de contas, nenhuma das fotos foi photoshopada pela turma da Worldwide Leader In Sports. São todas reais, com seus policiais armados de fuzis, caveirões e vielas escuras, moradores aterrorizados e até um helicóptero da polícia em chamas, no chão, abatido por traficantes. Eu lembro, você lembra.

"Ah, mas peraí, alto lá! O Morro dos Macacos já tá com UPP, o lance do helicóptero tem um tempão..."

Sei.

A UPP dos Macacos foi instalada em outubro do ano passado, tem sete meses. O helicóptero foi metralhado ali em outubro de 2009, um ano antes.

Não me parece tanto tempo assim.

* * *

"As favelas, consciência culpada do Rio, quase mil delas, olham o paraíso de cima, mas não compartilham dele."

Thompson segue o texto lembrando que, em 2010, houve 4.798 assassinatos na cidade, o que representa um quarto dos assassinatos em todos os Estados Unidos no mesmo período - enquanto os EUA possuem 300 milhões de habitantes, o Rio tem 6. Cita que a primeira favela surgiu em 1897 e que agora a cidade tem menos de três anos para consertar uma crise que cresce há um século.

"O relógio está correndo."

É claro que a primeira coisa que vem à cabeça de muitos é o despeito de um americano, dos americanos, da ESPN e de toda a América pelo fato de Chicago, com Barak e tudo, ter perdido para o Rio na escolha da sede dos jogos de 2016. Mas isso faria mais sentido em 2009, antes da decisão dos membros do COI. Dar porrada agora, faz pouco ou nenhum. Assim como não faz afirmar que Thompson pintou o artigo com cores fortes. Quando diz que o filho pequeno do presidente da associação de moradores dos Macados ainda tem pesadelos com o dia da invasão do morro pelo CV - na véspera da derrubada do helicóptero - ele não está criando um factóide. Nem quando lembra que a ordem da invasão partiu de líderes do Comando Vermelho de dentro de um presídio de segurança máxima. Muito menos quando descreve como são as incursões do BOPE nas favelas, onde moradores são passíveis de balas perdidas e abusos de autoridade da polícia. Os ônibus queimados às dezenas pela cidade - outra triste memória recente - também não surgiram da imaginação do americano.

É tudo verdade. Uma verdade a qual eu e você, talvez, estejamos acostumados, lamentavelmente.

* * *

Na minha concepção, Thompson constrói seu artigo a partir da invasão do morro dos Macacos porque viu ali um ponto de ruptura.

Até então, apenas quatro UPPs haviam sido instaladas na cidade - a pioneira, no Dona Marta, em novembro de 2008, e mais três, no ano seguinte, na Cidade de Deus, no Batam e no Chapéu Mangueira. Depois do absurdo daquele outubro de 2009, outras 13 seriam criadas em igual período de tempo, incluindo a dos Macacos.

O americano também não inventa depoimentos. Como o de uma professora, que meses depois de ser entrevistada, quando sabe da publicação do artigo, pede para não ser identificada. Ela conta sobre a escola onde leciona, onde crianças do jardim de infância ficam doentes por brincar na terra contaminada por fezes - não há rede de esgoto ali. É ela quem lembra do caso de um antigo presidende da associação de moradores, nascido e criado nos Macacos, mas que teve que deixar o morro quando traficantes queimaram sua casa e ordenaram sua saída, por não terem gostado, justamente, de uma entrevista.

* * *

"Um ano após o helicóptero ter sido derrubado, os moradores do morro dos Macacos souberam da notícia - eles seriam os próximos. Em 14 de outubro de 2010, quase 200 policiais subiram o morro e o encontraram livre de todos os traficantes que o dominavam, fugidos na véspera, quando do aviso da invasão. Nenhum tiro foi disparado."

Thompson revela então o medo corrente de todo o qualquer morador de comunidade pacificada: que a polícia vá embora. E o tom sensacionalista que muitos aqui enxergaram - e que não vi em momento algum das doze páginas de texto - dá lugar à esperança, dele e de quem mora nessas codições.

"Mas agora, pelo menos, há esperança. Os dois Rios estão colidindo e, em alguns lugares, um novo Rio se levanta."

Mas ele não se deixa levar pela inocência. Lembra que a professora continua com medo. Que os traficantes não estão mortos. Que a polícia esperava encontrar 50 armas pesadas no morro e nenhuma delas foi apreendida. Que o antido dono do morro está hoje na Rocinha.

Faltou lembrar que a cidade tem 13 favelas pacificadas e outras mil sob domínio do tráfico ou das milícias.

"O sol está baixo e quente. A professora está de pé, do lado de fora da escola. Agora há policiais sorridentes em sua favela e o campo de futebol voltou a ser usado para partidas, em vez de matanças. Ela olha a cruz branca, no alto do morro. Olimpíadas vêm e vão. Governos se cansam."

E nós, macunaímas que insistimos em ser, continuamos achando que a opinião de quem enxerga de fora está sempre errada.

Não está.

Errados estamos nós.

E, como Mr. Thompson diz, o relógio está correndo.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Ouro De Tolo.

Flamengo. Palmeiras. Internacional. Grêmio. Cruzeiro. Fluminense. Todos derrotados, em maior ou menor grau, de forma vergonhosa nesta semana.

Não vou falar do Coritiba, que venceu, e de quem eu ainda não assisti a um único jogo neste ano. Mas posso falar sobre os demais.

Quem é o Flamengo 2011? O time campeão carioca invicto? Ou uma equipe que, na Taça Guanabara, precisou dos pênaltis para passar pelo Botafogo nas semifinais; na Taça Rio, igualmente foi incapaz de superar Fluminense ou Vasco no tempo normal, merecendo aplausos apenas pela frieza na hora dos penais? E que, agora, precisa vencer o Ceará, fora de casa, por dois gols de diferença, para seguir na Copa do Brasil.

Quem é o Cruzeiro, o alardeado super-time celeste, que vinha encantando a todos nesse início de temporada? É o time eliminado em casa pelo Once Caldas? Ou o que neste ano já goleou por 8x1 e 7x0 adversários do porte de América de Teófilo Otoni e Democrata de Governador Valadares (com sotaque mineiro, por favor)? Ah, mas teve a melhor campanha da Libertadores. Ok, ok... num grupo com Deportes Tolima, Guaraní do Paraguai e um Estudiantes que igualmente já ficou pelo caminho nas oitavas...

A dupla Grenal teve, como adversários na primeira fase, potências como Júnior Barranquilla, Oriente Petrolero, León de Huánuco, Jaguares, Emelec e Jorge Wilstermann. Uau. E, nem assim, o Grêmio, que enfrentou os três primeiros, foi primeiro em seu grupo. No gauchão, goleadas sobre Canoas, Ypiranga e Inter de Santa Maria só reforçaram a falsa impressão de que estava tudo bem com os grandes do sul. Pois é, não estava.

E o que dizer de Palmeiras e Fluminense? Ambos sequer chegaram às finais dos respectivos estaduais. O Fluminense, que a duras penas se classificou na Libertadores, caiu diante de um oponente fraquíssimo - depois de fazer a vantagem de 3x1 em casa, não menos. E o Palmeiras... bem, o Palmeiras acordou para a realidade com um verdadeiro tombo do beliche, e do andar de cima - um 6x0 que ficará marcado de diferentes formas na história dessa equipe e do próprio clube.

Afinal de contas, o que se passa? Por que tanto alarde em torno da tal quarta-feira negra ou das derrotas de Fla e Palmeiras ontem? Alguém realmente se surpreende?

Os estaduais, além de um convite ao prejuízo, são fraquíssimos, se tornando também uma certeza de prejuízo técnico. Os clubes ocupam seus quatro, cinco primeiros meses do ano medindo forças contra equipes semi-profissionais - é o que são - formadas na última hora, com data de validade marcada e que não representam, de forma alguma, parâmetro algum para nada. Dezenas e dezenas de jogos com estádios vazios e sem real importância até que se chegue ao Grenal decisivo no sul, ao Cruzeiro x Atlético do título em Minas, ao Flamengo e qualquer um no Rio e o resto você já sabe, pois não há nada mais previsível que os estaduais.

Eles são como as novelas da grade da Tv Globo. Uma tradicão, um "charme", como querem alguns, em que já sabemos início, meio e fim da história, com direito a poucas surpresas e uma qualidade artística com a qual nos acostumamos apenas - mas que é baixa. Nem um nem outro é, realmente, bom. Ambos iludem quem os acompanha.

E eis que agora, após essa semana de revelações, teremos mais sete meses de futebol em que apenas o Santos segue na Libertadores e só restarão quatro clubes na Copa do Brasil a partir da semana que vem. A todos os outros, restam apenas 38 partidas pelo Campeonato Brasileiro.

E quem se achava forte para este, agora, se repensa. E quem se achava fraco, não se pensa tão mais assim.

* * *

E já que falei sobre acordar para a realidade, Ronaldinho Gaúcho, que não conseguiu se destacar num estadual com Boavista, América, Cabofriense e afins, foi vaiado durante todo o segundo tempo de ontem no Engenhão, a cada vez que tocava na bola.

É incrível como a gente nunca consegue acompanhar a imaginação do futebol. Nem a dos craques que tomam gosto pela vida fácil.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

"Why can't I be MVP?"

Dezenas de repórteres que o cercavam, naquela tarde gelada de media day em Chicago, antes do início da temporada, se entreolharam. Nenhum chegou a rir - afinal, estavam diante de um dos jogadores mais afáveis e gentis de toda a liga - mas, internamente, todos se perguntaram - "como assim 'por que eu não posso ser o MVP?'"

Quando soube, achei graça. Eu, torcedor fanático dos Bulls desde o tempo em que Michael Jordan perdia ano após ano para Celtics ou Pistons. Que torci como louco, no draft de 2008, para que meu time escolhesse aquele armador veloz como a luz, que havia perdido a decisão do título nacional universitário meses antes. Eu, que havia assistido a cada um dos 171 jogos de sua carreira até aquela tarde, achei a pergunta desmedida.

"Mas o que deu na cabeça do moleque pra falar uma coisa dessas?"

Só o chamo assim. Até minha mulher, hoje: "Como foi o moleque ontem?" Que fique claro - não há nada de moleque Neymar nele. Pensando bem, talvez não haja mais nada de moleque nele, nada que faça lembrar o garoto de 20 anos que realizou o sonho de vestir a camisa do time de infância, da cidade onde nasceu e cresceu. Todo jogador, quando é apresentado à torcida antes de uma partida, tem seu nome, número, posição e universidade onde jogou anunciados pelo locutor do ginásio. O moleque não. Pediu, desde a primeira vez, para que fosse diferente com ele. A universidade de Memphis não é lembrada.

"FROM CHICAGO... AT GUARD... NUMBER ONE... DERRIIIIICK ROOOOOSE!"


Voltando à pergunta que dá título ao post, voltando no tempo, recupero frases, mensagens trocadas com amigos e colunas dos chamados experts sobre a atual temporada, que se aproxima dos playoffs. Mesmo minha modesta previsão parecia exagerada - chegar à final do Leste e, quem sabe, com sorte, à final. Só que, antes da bola subir, ninguém em sã consciência botava os Bulls acima de Celtics, Heat ou Magic. E todos viam a tal pergunta como um devaneio de um garoto que começava a descobrir estar acima da média em sua profissão.

Hoje os Bulls asseguraram a primeira colocação do Leste, com 59 vitórias e 20 derrotas, ao vencerem o Cleveland. Não podem mais ser alcançados por ninguém. E ainda têm chance de terminar a temporada com a melhor campanha de toda a liga - estão só uma derrota atrás dos Spurs. Ao fim do jogo contra os Cavs, ninguém comemorou um centímetro a mais do que noutro jogo qualquer.


"Ele é o jogador mais consistente do nosso time. Defendendo, jogando machucado, jogando sério sempre. Esse ano, ele tem meu voto para MVP."

O moleque não é o personagem da frase. É o autor. Fala sobre o companheiro Luol Deng, o mais bem pago do time até a chegada de Boozer, há sete temporadas defendendo os Bulls. Um elenco heterogêneo, entretando harmonioso. E, acima de tudo, solidário. Seja num passe extra, numa ajuda na defesa ou numa entrevista, é evidente que o clima entre os jogadores lembra a camaradagem de uma equipe de colégio, não de profissionais com salários milionários e que, via de regra, pensam primeiro em si quase sempre. Completa a receita um técnico estreante - mas de longa estrada como assistente - e que teve seu mantra comprado sem receios por seus comandados: defesa. Os Bulls têm a melhor da NBA, ocupando a segunda posição em pontos cedidos e rebotes, além de terem a melhor campanha em casa (35-5) e a melhor média de diferença de pontos sobre os adversários (7,3). Números que têm tanta relação com os talentos individuais do elenco quanto com o suor deixado em quadra, sob o incentivo dos gritos roucos do técnico Tom Thibodeau.


"Não é por coincidência que os Bulls têm a melhor campanha do Leste. Eles estão jogando com mais aplicação que qualquer outro time e isso tem relação com sua campanha. E vem tanto de Tom (Thibodeau) quanto de Derrick Rose." - Doc Rivers, técnico dos Celtics.

Mas Thibodeau, lembrem-se, é um novato. Nunca foi head coach. Por mais que seja um nome reconhecido e respeitado na liga, sua demanda constante por esforço na defesa, somada à voz rouca como um Louis Armstrong, poderia facilmente cansar a beleza de atletas que, não raramente, se comportam como prima-donas. Poderia, se o melhor do time não fosse o primeiro a entregar-se de corpo e alma ao comando do treinador. Como na época de MJ, se o astro dá cem por cento nos treinos e nos jogos, sem jamais reclamar, quem há de agir de maneira diferente?


Ainda assim, os números individuais do moleque não são estratosféricos. Cerca de 25 pontos, oito assistências e quatro rebotes de média. Inferiores, por exemplo, aos de LeBron James, eleito MVP nas duas últimas temporadas. Mas números (no basquete, principalmente), não contam toda a história. Os Bulls começaram a temporada sem seu maior reforço, o ala Carlos Boozer. Pouco depois de sua estreia, perderam sua alma, o pivô Joaquim Noah. Recentemente, ambos, tiveram que lidar com torções de tornozelo, que os deixaram de fora por mais alguns jogos. Em todos eles, qual fosse a ausência, lá estava Derrick Rose, pronto para fazer o necessário para conquistar a vitória. Cinquenta e nove até aqui.

Há quem defenda que LeBron deveria levar o prêmio novamente. Há os que consideram Dwight Howard, do Magic, mais eficiente que Rose. Para alguns, o moleque seria apenas uma versão aprimorada e um pouco mais alta de Iverson. "Ele não chuta tão bem". "Não distribui tantas assistências". "Pontua demais para um armador".

Nesta temporada, o moleque foi o único entre os dez primeiros em pontos e assistências. Adicionou a seu repertório ofensivo um arremesso de três pontos respeitável - e que se tornará mais consistenta com o tempo. E foi "o" ataque do time quando preciso. Sempre com toda a equipe adversária concentrando sua defesa sobre ele - notoriamente, estes Bulls não têm muitas opções de ataque. Por isso mesmo Thibodeau deu sempre liberdade a Rose para arremessar, sabedor que é das capacidades e deficiências de seu grupo, recheado de bons defensores, como Gibson, Brewer, Bogans, Asik e um ou outro especialista, como Korver. O moleque precisou ser o ataque em muitas noites. E em todas elas, como armador do time, foi sempre quem tomou as decisões ou chamou a responsabilidade para decidir ele mesmo. Como mostra a campanha dos Bulls, acertou muitíssimo mais que errou.

Por fim, ninguém, hoje, no mundo, consegue ser mais veloz driblando uma bola de basquete do que o moleque. Não se trata apenas do talento nato, nem da aplicação absurda aos treinos. Derrick é uma aberração, dono de velocidade e impulsão nunca reunidas num mesmo atleta. E está só aprendendo a unir tudo isso a seu favor. Aprendendo rápido.

Então, se alguém me perguntar, eu direi: ninguém jogou mais nesta temporada que Derrick Rose. Aos vinte e dois anos, se tornará o mais jovem MVP de todos os tempos. E tem tudo para escrever, com esses Bulls, uma história de Cinderela poucas vezes vista na liga.

O moleque, claro, é o sapato de cristal.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Futebol, TV, Dinheiro e Uma Boa Briga

O próximo onze de março, uma sexta-feira, não terá futebol. Mas pode ser a data de uma mudança histórica, com consequências para todo e qualquer envolvido com a maior paixão popular do país, seja boleiro, técnico, jornalista, dirigente ou torcedor.

Às dez horas da manhã deste dia, se encerrará o prazo para que as emissoras interessadas enviem suas propostas para a aquisição dos direitos de transmissão dos Campeonatos Brasileiros de 2012, 13 e 14. A abertura dos envelopes - a licitação feita pelo Clube dos 13, publicada ontem, prevê ofertas fechadas - será feita em solenidade pública aberta à imprensa. Mas eu duvido muito que alguma rede de tv se interesse em mostrar ao vivo o resultado. Ou, talvez, apenas uma, como explicarei adiante.

Para situar quem não acompanha os bastidores - felizes daqueles que só sabem da bola - vale um rápido resumo. Há vinte e seis anos a TV Globo transmite o futebol brasileiro. Desde 1987, negocia os direitos de transmissão diretamente com o Clube dos Treze, que reúne as principais equipes do país. O contrato atual, que se encerra ao fim desta temporada, custou aos cofres da emissora (na verdade, aos seus anunciantes) a bagatela de 250 milhões de reais. Na negociação, feita em 2008, a TV Record chegou a acenar com uma proposta escandalosamente alta, em torno de 700 milhões. Mas tirou o time, na última hora, acusando o Clube dos 13 de dar à concorrente um direito de preferência que a impedia de vencer.

Só que, agora, tudo vai ser diferente. Como foi, aliás, quando da compra dos direitos de transmissão dos Jogos Olímpicos de Londres, adquiridos pela emissora do bispo por 60 milhões de dólares. O Cade - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que tem como função orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico - está de olho em tudo. E na reunião marcada para a próxima terça com dirigentes do Clube dos 13, reafirmará, entre outras coisas, que não permitirá qualquer benefício a A, B ou C.

O Clube dos 13 estipulou a oferta mínima em 500 milhões de reais anuais, dando à TV Globo, como bônus, uma vantagem de 10% sobre as demais ofertas - uma espécie de "obrigado" pelos serviços prestados nas duas últimas décadas. O que, para mim, já parece um benefício.

OS CLUBES

Desde 87, ano de sua criação, o Clube dos 13 se viu diante de uma complicada equação matemática - como dividir o dinheiro dos direitos de transmissão entre clubes de tamanho, peso, torcida e prestígio tão diferentes. Como em qualquer divisão de bolo, todos querem a maior fatia. Hoje, Flamengo, Corinthians, São Paulo, Vasco e Palmeiras recebem o mesmo tanto. Que é superior ao destinado ao Santos. Que ganha mais que Fluminense, Botafogo, Inter, Cruzeiro, Grêmio e Atlético Mineiro. Os demais integrantes estão num patamar ainda inferior.

Por conta dessa divisão, a semana que se encerra foi pontuada por ameaças, bravatas e, principalmente, voltas atrás. Os quatro grandes do Rio chegaram a anunciar, oficialmente, a saída do Clube dos 13, afirmando a intenção de negociar, em grupo, seus direitos de imagem. Voltaram atrás no dia seguinte, quando negaram a desfiliação. O Corinthians, por sua vez, continua com a posição de desligamento. Chegou, inclusive, a conversar em separado com a TV Record. Mas também não saiu do Clube.

O motivo é simples - dinheiro. Imaginaram um cenário em que a negociação em separado os beneficiaria. Com o passar dos dias - e as consultas jurídicas e econômicas - viram que sair não seria tão fácil. Além de, provavelmente, não tão lucrativo. Num novo contrato, por exemplo, o Fluminense passaria dos 23 milhões atuais - mesma quantia recebida pelos grandes mineiros, gaúchos e pelo Botafogo - para 36 milhões. E isso, considerando-se apenas o dinheiro da tv aberta - pela primeira vez, plataformas como a tv fechada, internet e celular serão negociadas separadamente. Alguém em sã consciência consegue imaginar o Flu conseguindo arrancar 36 milhões anuais de Globo ou Record por seus jogos?

Fora isso, ainda há a questão do conceito de direito de imagem em si. Se um clube fecha com determinada emissora, esta só pode mostrar seus jogos se os seus adversários também tiverem fechado com ela. Do contrário, a transmissão se inviabiliza. Se o Flamengo fechasse com a Globo e o Corinthians com a Record, não teríamos os dois jogos entre os clubes na TV. O ponto final é dado pelo próprio Cade, que não autorizou a livre concorrência para cada clube e sim para o campeonato inteiro.

Some-se a isso tudo o curto tempo até a abertura dos envelopes, coisa de pouco mais de duas semanas, e fica a quase certeza de que toda a movimentação dessa semana não passou de alvoroço de dirigentes embevecidos com tantos cifrões.

AS TVS

Entre os que defendem a manutenção do futebol na TV Globo, os argumentos principais são a audiência e qualidade de transmissão superiores da emissora carioca.

A mesma que me faz, às quartas-feiras, sair do estádio já na quinta, para acordar morto de sono, poucas horas depois. Hoje, o futebol de meio de semana começa às 22h, horário só praticado no Brasil e totalmente incompatível com qualquer conceito moderno de marketing esportivo ou segurança pública.

A audiência, claro, é do futebol - e não da Globo. Para onde ele for, ela vai junto, pois ninguém vai parar de assistir aos jogos de seu time na TV porque o Galvão não os narra mais. O argumento restante - de que a audiência "não-futebol" da Globo será sempre maior, rendendo mais exposição aos anunciantes em seus programas e telejornais, também é questionável. As constantes reuniões de seus executivos preocupados com o crescimento da concorrente e com seus empregos servem de contra-argumento.

A questão do know-how chega a ser risível. Expertise e profissionais são adquiridos com muito mais facilidade que direitos de transmissão - e a Record teria um ano inteiro para isso.

O 11 DE MARÇO

Você já jogou poker? Domina a arte do blefe?

A mão começa em 500 milhões. Mas um dos jogadores tem um ás na manga que lhe dá 10% de vantagem sobre os demais. Que, na realidade, é apenas um - Band e Rede TV, apesar de convidadas, não entrarão nesta briga.

Quem tem o ás na manga depende do dinheiro dos anunciantes. Ganha muito, mas também gasta demais. Vive buscando maneiras de equilibrar seu orçamento e ainda lembra bem dos efeitos catastróficos da última grande crise. Só para mensurar o que significa pagar 500 milhões de reais por ano pelo futebol, basta dizer que o BBB 11, o de menor audiência mas de maior faturamento da série, rendeu 400 milhões de reais, o que foi considerado um resultado arrebatador.

O desafiante, que obrigatoriamente terá que oferecer 10% a mais para quebrar a mesa, também tem seu ás na manga. São milhões de fiéis. Talvez bilhões de reais em notas de dois, cinco, dez reais. Dízimo. Investigações do Ministério Público tentam provar que a origem do dinheiro não é legal e que TV e igreja, no fim das contas, são a mesma coisa.

E enquanto o MP não consegue seu objetivo, nada melhor para lavar uma inacreditável quantidade desse dinheiro de uma só vez que fazer uma oferta astronômica no próximo dia onze. Fala-se, hoje, em coisa de 700 milhões - mesma quantia da oferta retirada em 2008.

Não sei. Fosse eu, lavaria um pouco mais.

Porque essa é a chance que a concorrente espera há tempos. Um momento na história, que faz parte de um plano bem pensado e elaborado. Se Londres foi um soco no estômago, o Brasileirão seria um cruzado no queixo.

De levar à lona.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

R9

O ano era 1999, como na música daquele que um dia se chamou Prince. Confortavelmente apertado entre meus companheiros Sergio Costa e Andréa Bruxellas, seguia para Buenos Aires e, depois, Mar Del Plata, onde cobriria um Sul-Americano de Natação. Meu jornal já havia sido desmembrado entre os três, mas só a página de esportes interessava não somente a nós, mas a todos naquele avião. "RUPTURA DO TENDÃO PATELAR". Algo de que nunca ouvira falar. Tão aparentemente grave quanto as imagens do dia anterior, quando o joelho de Ronaldo havia "desmontado" no meio de uma arrancada. Entre infográficos - acho que esse termo ainda nem era usado na época - e opiniões de diferentes médicos, uma certeza: dificilmente ele voltaria a ser o mesmo, se voltasse a jogar futebol.

Três anos depois, em Seul, lá estava eu, no meio do bloco de carnaval que percorria os corredores do International Broadcast Center, curtindo com a cara de jornalistas argentinos, ingleses e, principalmente, alemães, enquanto cantava a plenos pulmões o penta conquistado com dois gols de Ronaldo na final.

Um dos baratos de se envelhecer, quando se é um jornalista esportivo, é começar a valorizar a chance de ter podido acompanhar, do início ao fim, carreiras como as de Ronaldo. Uma história bonita, repleta de tudo que um astro do rock, digo, futebol, pode querer. E que, por isso mesmo, termina com um quê de novela burlesca.

Ronaldo nos deu uma Copa, com oito gols em 2002. Nos tirou outra, com sua misteriosa convulsão antes da final em 98. Ou talvez duas, tendo sido o "Presidente" da turma do oba-oba e da balança em 2006.

E quem há de dizer que essa balança pesa contra ele, o maior artilheiro de todas as Copas e herói do penta?

Ronaldo foi três vezes eleito o melhor do mundo, numa época em que ser o melhor era estar acima de nomes como Zidane, Figo e Weah. Também por três vezes superou graves lesões nos joelhos, duas delas em joelhos diferentes, a tal ruptura patelar. E eu estava entre os que duvidaram de seu retorno ao campo em ambas, principalmente a segunda, há apenas três anos, quando o craque já tinha 31.

Ronaldo foi craque, sim. Da bola e do marketing. Se associou à gigante Nike como nenhum boleiro havia feito antes. Tornou sua imagem mundial. Tornou-se um ídolo mundial. O que só fez aumentar a repercussão de seus escândalos e desentendimentos, fosse com travestis, esposas ou até seu assessor. E tudo ísso apenas arranhou sua imagem.

Foi traidor não uma, mas duas vezes, no tortuoso caminho Barcelona-Internazionale-Real Madrid-Milan. Foi gênio no Barça, mas saiu. Ídolo na Inter, mas saiu - depois de quinze meses recebendo salários em dia enquanto se recuperava da lesão de 99. No Real, coexistou com galáticos mas não levantou as taças esperadas. No Milan, já era uma sombra de si. E ainda teve o Corinthians, onde foi decisivo para as conquistas de um Campeonato Paulista e uma Copa do Brasil. Mas saiu pressionado por uma chuva de moedas e críticas.

E assim sai do futebol. Quem há de dizer que sai tarde? (Cedo, certamente, ninguém).

Ronaldo foi até onde pôde. Chegou onde jamais sonhou.



Ponto final posto, resta discutir o verdadeiro lugar dele na história do futebol. Ronaldo entra, claro, diretamente no panteão dos maiores atacantes de todos os tempos. E aqui já me limito a eles, os atacantes, pois se abrir mais a lista, entrarão umas duas dúzias de craques na frente dele.

Tiro os títulos, os gols em Copas, os comerciais e a idolatria mundial. Fico apenas com a bola.

E aí, sou mais Romário. E, se fosse pro meu time, Marco Van Basten, em seus tempos de glórias e tornozelos inteiros.

Questão de gosto, pura e simples.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

The Twilight Zone

Nesta quarta, dois de fevereiro, milhões de rubro-negros - além de um bom bocado de torcedores de outras equipes - serão testemunhas de uma história com cara de episódio da série Além da Imaginação:

Ronaldinho Gaúcho, duas vezes eleito o melhor do mundo, pentacampeão mundial com a seleção brasileira, eleito o melhor jogador da década passada, estreia no Flamengo, no Engenhão, contra o Nova Iguaçu, pela quinta rodada do Campeonato Carioca.

Até ouço a inesquecível trilha de abertura enquanto releio o parágrafo acima.

Imponderável - não há Maraca - e questionável - o adversário de estreia - à parte, ninguém, absolutamente ninguém em sã consciência seria capaz de imaginar que, aos trinta anos de idade, Ronaldinho acabaria no Flamengo; não como Romário, que retornou ao Brasil, em 95, no auge, e sim como seu xará mais pesado e laureado, outro penta mundial que também preferiu pendurar as chuteiras por aqui.

Que Ronaldinho esperar? O genial, de 2004 e 2005? Ou o boêmio, de 2010 e... 2003. Já naquele ano, o técnico do Paris Saint Germain, Luis Fernández, meio-campo da seleção francesa durante uma década, criticava o brasileiro por conta de seu gosto exagerado pela vida noturna. Paris, Barcelona, Milão, 30 ou 23 anos, não importa - Ronaldinho não mudou com o tempo, não se deixou deslumbrar pelo sucesso. Ele sempre curtiu a fama da melhor forma possível. Quem se impressionou, agora, pelo oba-oba em torno de sua vinda para o Flamengo, pelas idas e vindas promovidas pelo irmão-empresário Assis, não deve se lembrar que, entre fevereiro e agosto de 2001 - oito meses, portanto - Ronaldinho ficou parado, impossibilitado de jogar, por conta da disputa judicial entre o Grêmio, time que ele abandonou, e o PSG.


Estes talvez também não lembrem que, em julho de 2008, há apenas dois anos e meio, era a torcida do Milan que vivia a expectativa que a nação rubro-negra vive agora. A mesma que toda a torcida brasileira viveu em 2006, no Mundial da Alemanha, quando Ronaldinho já não demonstrava interesse pelo futebol. Ou dois anos depois, nas Olimpíadas de Pequim, quando o Gaúcho, no meio de garotos, nenhuma diferença fez, selando de vez seu destino enquanto Dunga fosse o técnico da seleção. Acabou vendo a Copa de 2010 pela tv. Ou não. Ronaldinho sempre disse que não gosta de assistir a jogos de futebol (embora tenha estado nos últimos do Fla, sempre no camarote da presidente Patrícia Amorim).

Fadado ao fracasso, então?

Depende. Basicamente, de uma questão de vontade.


Ronaldinho conquistou tudo que um jogador profissional pode querer. Mas não conquistou tanto. Com a seleção, foi campeão do Mundo, das Copas América e das Confederações. Pelo Barcelona, foi eleito o melhor do mundo duaz vezes, campeão da Liga dos Campeões e espanhol. Por estas bandas, só o título gaúcho de 99.

Aos trinta anos, ainda poderia querer muito mais. A questão retorna: ele quer?

Porque o querer depende, basicamente, daquela vontade de ser o número um, estar sempre no topo. Como escrevi aqui em outro texto, trata-se daquela obsessão que une nomes como Jordan, Schumacher, Valentino e outros. Algo que, todos concordam, o Gaúcho perdeu pelo meio do caminho.

E se jogar no Barça um dia já não mais o motivou, se ser ídolo em Milão não fez sua cabeça, que oportunidade melhor para quem precisa de motivação do que jogar no clube de maior torcida do país? Ronaldinho não precisa ter nascido em Quintino, nem ser torcedor do Flamengo desde criancinha para saber o que significa defender suas cores, como o próprio disse, em sua apresentação.

E que chance melhor que estar num clube que se renova de esperança, após um 2010 pífio, quando todos ainda comemoravam o fim do jejum de 17 anos sem título brasileiro? Que situação melhor que estar sob o comando do treinador que o levou para a seleção brasileira? Tudo conspira a favor dele.

Basta querer. E é aí que a porca torce o rabo e eu tiro de campo minhas impressões como jornalista para explicar, através de meus quase trinta anos de arquibancada, aquilo que é mais importante Ronaldinho saber, a partir de amanhã:

Essa torcida não perdoa a falta de vontade.

Essa torcida ignora até a falta de talento se o sujeito deixar o sangue em campo. Perguntem a Willians, ou mesmo ao Toró, porque eles nunca foram vaiados (ou perguntem ao Juan, agora no São Paulo, como é cair em desgraça por conta da falta deste sangue).

Essa torcida elege ídolos eternos por conta da identificação com esse espírito, sejam eles vencedores, como Zico e Pet, ou nem tanto, como Romário (que quase nada conquistou pelo clube). Assim como não perdoa traidores, mesmo que, um dia, tenham se imbuído desse espírito (como Renato Gaúcho e Bebeto, por exemplo).

Eu, como profissional, me mantenho cético - assim como cético fui quando Adriano retornou, em 2009, e nós acabamos campeões brasileiros.

Eu, como torcedor, vou apoiar e incentivar qualquer um que vista o manto. E vaiar e cobrar e exigir daqueles que não entendem o que é defender o Flamengo.

* * *

Se o espírito de Ronaldinho, o mesmo espírito que perdeu o viço lá pelos vinte e cinco anos de idade, não se renovar, não se deixar contaminar por esse sentimento, então será o fim.

E, assim como outros que deixaram de encarar o futebol como paixão para tê-lo apenas como profissão, ele poderá angariar mais alguns milhões na MLS ao lado de ex-parceiros e adversários como Henry e Beckham. O que seria um capítulo final nada glorioso para quem, um dia, foi comparado a Pelé e Maradona.