Sábado, em meio à melancolia geral por conta da derrota para o Palmeiras, ainda com a bola rolando no Engenhão, ouço o grito, vindo de alguns metros atrás de onde assistia ao jogo.
"Vai tomar no cu, Zico!"
Eu e mais dezenas de pessoas olhamos para o sujeito na mesma hora. Não era moleque, devia ter seus trinta, talvez. Se tinha mesmo essa idade, mal viu o Galo jogar, pensei. Talvez nem mesmo seja um torcedor fiel, embora estivesse ali, conosco, naquela verdadeira prova de amor ao clube. Quem sabe quis apenas aparecer - da pior forma - com aquelas palavras.
Ou talvez seja apenas um torcedor comum, como qualquer outro, cansado de ver o Flamengo perder.
Fato é que, após os olhares de reprovação, o sujeito emendou outra vez a mesma ofensa, como se quisesse marcar que realmente tinha falado aquilo e, mais, tinha o direito a tal (assim como eu tinha o direito de xingá-lo de volta por isso, mas não o exerci).
Quando decidiu assumir o futebol do Flamengo, Zico aceitou descer de um pedestal sagrado, ornado de gols, títulos e pintado de vermelho e preto, para se submeter à humana condição de dirigente. Sabia, claro, que nem por conta disso estaria imune às críticas. Mas certamente não imaginava, por conta de sua índole, que seria alvo de denúncias, acusações e muita pressão por parte de quem não ama o clube e quer dele apenas poder e dinheiro - gente que não se conforma em ver o Flamengo, enquanto instituição, melhorando a cada dia desde a posse da presidenta Patrícia Amorim. Porque é preciso saber que o clube, que vai bem, não é apenas o time, que vai mal. Os salários na Gávea estão em dia, a própria Gávea perdeu seu aspecto sujo e abandonado e o clube investe na construção do CT que sempre quis e nunca teve, CT esse que sabemos ser fundamental para que se resgate um passado de formação de craques e times vencedores. O basquete agora tem dinheiro para si, a ginástica idem, a natação está de volta ao pódio e aos jornais.
Mas Zico cuida do futebol, apenas. E o futebol do Fla não vai nada bem.
Há coisa de três meses, eu escrevi aqui no TB sobre os verdadeiros trabalhos de Hércules que o Galinho teria pela frente. Curiosamente, o time havia acabado de perder, de forma inacreditável, para o Goiás, mesmo adversário de hoje. Falava-se em contratar Montillo, carrasco da Libertadores... os jornais tentavam se vender com histórias sobre Ronaldinho e Riquelme... Bruno ainda era o goleiro do time.
De lá para cá, o Flamengo perdeu sete vezes, empatou sete e só venceu quatro, chegando à situação em que se encontra hoje, temeroso de um novo drama para fugir de um inédito rebaixamento. Zico, como era previsto, teve dificuldades para remontar o time campeão brasileiro, que acabou sendo desfeito. Acertou algumas, como a contratação do jovem Diogo, que ainda deve dar alegrias à torcida, e errou em outras apostas, como Val Baiano, Borja e Leandro Amaral, só para citar o ataque. Para os que hoje criticam o acerto com Deivid - que realmente não está jogando nada -, eu lembro que, sem dinheiro e sem muitas ofertas no mercado, não há como fazer boas compras, ainda mais com a temporada começada.
Culpa do Zico? Claro que não. Ele aceitou assumir o comando do futebol do Flamengo bem no meio da Copa do Mundo; o assumiu de fato imediatamente depois. Logo, pegou o bonde andando, um bonde já repleto de furos, engranagens soltas e sem rumo certo.
Também no meio desse caminho pós-Copa até agora, Zico tomou outra importante decisão - demitir Rogério, que me parece nunca ter tido realmente o grupo na mão. Trouxe Silas, o melhor nome disponível à época. Que hoje pode até mesmo ter seu cargo a perigo em caso de nova derrota para o Goiás. E pior - se ele cair, não há, no momento, nenhum nome além do de Luxemburgo à altura do comando do clube.
Não é fácil. Se para o torcedor já é uma dor de cabeça tremenda, imaginem para Zico - sendo ele quem é, tendo a ligação com o Flamengo que ele tem e a seriedade que sempre demonstrou com seus compromissos.
Garanto que ele dormia bem melhor quando se preocupava apenas em jogar bola.
Mas esse não é mais o caso. Agora, por sua posição, ele está sujeito a impropérios como o daquele torcedor do Engenhão. E a críticas. Mesmo de gente que, sabidamente, sempre esteve ao seu lado, sempre deveu tantas alegrias a ele. Faz parte.
Ontem, pela primeira vez, Zico pisou na bola feio, no meu modo de ver. Permitiu que um grupo de dez torcedores tivesse acesso ao grupo de jogadores e ao técnico, em seu ambiente de trabalho. Pior, em sua privacidade, no vestiário. Sob a desculpa esfarrapada de uma "reunião de apoio", essas figuras, com seus cacasos da Raça e da Jovem e sua pinta de marginais, cobraram raça, empenho e Deus-sabe-mais-o-quê.
Zico não participou dessa reunião. Após saber o tom da conversa, se mostrou surpreso e garantiu que "será a última vez". Apesar disso, não vê o caso como um precedente perigoso, pois afirmou que mesmo sua sala continua aberta aos torcedores, desde que seja sempre de forma civilizada.
Esses sujeitos me parecem ser tudo, menos civilizados.
Em lugares civilizados, torcedores não têm acesso ao vestiário dos jogadores antes de um dia de trabalho. Não cobram destes empenho, raça ou o que quer que seja. Não exigem satisfações do técnico. Nem têm acesso ao departamento de futebol ou à sala da presidência.
Isso tudo eu realmente esperava não ver mais na Gávea depois que Zico assumiu. E continuo esperando não ver, agora que ele garantiu que foi a última vez. Vamos ver.
* * *
Pra quem adora dizer que o campeonato brasileiro é o mais equilibrado do mundo, um dos mais difíceis do mundo, eu digo o seguinte:
O campeão do ano passado, se cair este ano, não surpreenderá ninguém.
O quase rebaixado Fluminense, que surpreendeu a todos ao não cair, pode ser o campeão este ano.
Não há, com exceção de dois ou três clubes, real profissionalismo, planejamento, estrutura no futebol brasileiro. Não há continuidade, trabalho de longo prazo, paciência e investimento no futuro.
O que há, sim, é a realidade do país, a minha, a sua, a nossa - num mês dá pra pagar todas as contas, no mês seguinte não dá e assim a gente vai levando, da forma que é possível.
É a vida por estas bandas.
6 comentários:
Brother, um dos seus melhores textos no TB. Sou teu fã!
beijo
Coberto de razão. os que já querem tirar o Zico estão se precipitando. resta saber se ele mesmo tb não vai se precipitar com relação ao silas. chance de mostrar ser um dirigente melhor que os outros.
Edu, o Zico vai precisar ir até o fim do mandato da Patrícia pra dar jeito no futebol do Flamengo. Tem que mudar a cultura e isso leva tempo. Meu medo é que ele não tenha esse tempo, porque tudo é visto em função do resultado e não do trabalho. Apesar de não ser rubronegro torço por ele.
E agora? Depois de ontem ele manda o Silas embora como fazem todos os dirigentes ou aposta nele mesmo com os maus resultados em nome da continuidade de que você fala?
E agora? O Silas trairou o Jean, que desencanou o Silas, que "já não tem mais ambiente" na Gávea? O que o Zico tá esperando? Ou ele vai dar uma de diferente e manter o cara quando tudo mundo ve que não dá mais pra ele lá?
Como eu escrevi, se é complicado pra quem torce, imagine pro Zico... Se mandar o Silas embora, certamente vai ouvir de alguns que agiu igualzinho a todo dirigente quando as coisas não vão bem. Se não mandá-lo embora e perder para o Botafogo, será acusado de ter demorado a tomar a decisão.
De uma maneira ou de outra, depois da substituição do Juan contra o Palmeiras, ao 30 minutos de jogo (imaginem o que o Juan não fala disso desde então...), e da pixotada que ele deu ao citar a pixotada do horroroso Jean, acredito que não haja mesmo mais como ele permanecer no cargo. Jogador de futebol é um tipo complicado de lidar até quando se tem a sua simpatia, imagine então sem...
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