quinta-feira, 28 de maio de 2009

O Kobe de Spike Lee

Era agosto do ano passado e os jogos olímpicos de Pequim rolavam a todo vapor quando entrei na redação do Sportv para mais um dia de cobertura e percebi uma animada rodinha no fim da sala, a que logo fui chamado. O assunto era Kobe Bryant. Ou melhor, "como Kobe era um cara simpático, acessível, boa praça".

Fiquei atônito.

Tentei, em vão, explicar que não era nada daquilo. Que Kobe, desde a acusação de estupro do Colorado, em 2003, vinha tentando mudar sua imagem de weird - no nosso bom português, "esquisito". E sobre ser esquisito eu posso falar de cadeira, acreditem.

Kobe é bem mais do que apenas esquisito.

Desde pequeno, nunca teve uma vida normal. Quando ainda era uma criança, foi morar na Itália, acompanhando seu pai, Joe "Jelly Bean" Bryant, que havia trocado a NBA pela liga local, onde atuaria durante vários anos. Foi lá que Kobe conheceu Oscar. Foi lá que recebeu uma educação européia, diametralmente oposta à que 99% dos negros americanos têm acesso. À distância, pela tv a cabo, acompanhou com uma dedicação quase religiosa a carreira do ídolo, Michael Jordan. Centenas e centenas de fitas VHS. Play, rewind, slow play, rewind, play... Não à toa a semelhança na maneira de jogar, se mover e comportar em quadra chega a beirar o assustador.

Quando voltou para os Estados Unidos, era um peixe fora d'água. Não havia crescido ouvindo NWA e Public Enemy, como seus novos companheiros de time na Lower Marion High School. Não dominava suas gírias. Não tinha a malandragem deles. Mas jogava mais que todos e, por isso, era o centro das atenções. Logo acabaria na NBA, sem sequer passar pela universidade. E, num golpe de mestre do então gerente Jerry West, craque do passado, foi parar justo no Los Angeles Lakers. De menino-prodígio a três vezes seguidas campeão ao lado do amigo-desafeto Shaq, sempre esteve envolto em polêmicas. Muito antes da acusação de estupro, teve que lidar com a fama de fominha e mimado. Com a revelação de que sabotava jogos do time de segundo grau só para poder decidí-los no fim. Com a saída de Shaq de Los Angeles, imposta por ele. E, principalmente, com a total falta de empatia com todo e qualquer companheiro de time. Kobe é muito mais do que uma pessoa reservada, é um sujeito que evita, a todo custo, a aproximação humana. Tanto que não há, ainda hoje, um único jogador na NBA que possa dizer que realmente conheça Kobe Bean Bryant. Ou seja seu amigo.

Neste sábado, às sete e meia da noite, a ESPN mostra "Kobe Doin' Work", documentário de Spike Lee - ironicamente, um dos responsáveis pela explosão do mito Michael Jordan, dirigindo alguns de seus melhores comerciais para a Nike.

"Nós tivemos completo acesso", diz meu cineasta predileto. "Usamos trinta câmeras. Kobe tinha um microfone o tempo todo. E Phil Jackson nos permitiu filmar nos vestiários antes, durante e após o jogo. Ele nunca faz isso. Não houve nenhuma mudança sugerida, nem pelos Lakers, nem pela NBA. E quando sair o DVD, nesta semana (ntb: já foi), não haverá nenhuma censura de linguagem. Então será possível realmente sentir o clima entre os jogadores. Que não mediram as palavras em momento algum."

O documentário, de noventa minutos, foi todo filmado durante um jogo contra o arqui-rival San Antonio Spurs, em abril passado. A narração é do próprio Kobe, que se disse "surpreso" ao perceber o quanto fala com os companheiros durante a partida (na verdade, apontando cada um de seus erros e sempre dizendo como eles devem fazer as coisas). Mais surpreendente que isso no entanto, para quem já o assistiu, é a maneira como Kobe parece jamais ter interesse em ouví-los.

Se Spike Lee tivesse feito um documentário sobre a vida de Kobe, o resultado certamente teria sido mais interessante. Mas mesmo este, sobre um único jogo, já é suficiente pra turma daquela rodinha deixar de achá-lo "boa praça". Porque deve ser algo insuportável dividir quadra e o ambiente de trabalho com ele.
Ontem os Lakers venceram os Nuggets e abriram 3 a 2 na final do Oeste. O jogo seis é amanhã, em Denver, e eu aposto no time da casa. Quem acompanha o rapaz desde o início sabe o quando ele deve sonhar com o jogo sete, domingo, em Los Angeles.

4 comentários:

Camilo Pinheiro Machado disse...

Kobe é superior a Lebron, Wade, Carmelo e Pierce juntos.

Consegue ser vibrantemente frio e assume com eficiência esse negócio de ser "dono do pedaço".

mas parece que depois do estupro, a sociedade americana faz cara feia pra ele, né...

minha impressão é a de que joga pensando:"sou o melhor e terei q ganhar de todos. adversários, colegas, imprensa, público. O mundo está contra mim e eu vou vencer."

No jogo 6 ele não vence. No 7, acho que sim.

Edu Mendonça disse...

Hmmm... discordo.

Kobe é mais completo que os quatro que você cita (até porque, copia tudo do mais completo de todos os tempos - e Carmelo e PP estão degraus abaixo de Lebron e Wade). Mas, hoje, quem joga mais basquete é o Lebron, que carrega seu time nas costas (coisa que Kobe jamais fez, pois sempre teve Shaq - e quando não teve, ano passado, foi vice).

Aliás, se Kobe falhar na missão de conquistar um título "sozinho", não entrará pra história nem mesmo como tendo sido melhor que o Shaq (que tem um a mais que ele). Até porque, Shaq no auge era mais dominante que o Kobe jamais foi. Por mais que posição e estilo sejam outros.

Edu Mendonça disse...

Tem um artigo muito bom do Chris Broussard, da espn.com, falando sobre comparações e parâmetros. Dá uma lida depois.

http://sports.espn.go.com/nba/playoffs/2009/columns/story?columnist=broussard_chris&page=MJShadow-090528

Camilo Pinheiro Machado disse...

Mesmo com a enorme superioridade de MJ em relação aos jogadores de hoje, acho que o público sempre vê os ídolos atuais sobre uma ótica "Jordiana". Por isso até esqueci dos ala-pivôs e pivôs num outro comentário que falei do Wade, do Carmelo, e da dupla Kobe-Lebron.

Pra mim, todos esses caras querem ser o ala matador-decisivo-genial que Jordan foi e o público fica nessa espera eterna por um novo gênio com o perfil do teu ídolo.