Falta pouco menos de uma hora para a final entre Turquia e Estados Unidos. Vendo o Sinan Erdem já quase lotado, enquanto sérvios e lituanos disputam o terceiro lugar, lembro-me da decepção pela eliminação brasileira, do clima aconchegantemente charmoso do Abdi Ipekçi, do injusto fim do jogo de ontem e do quanto gastei para estar aqui, durante três semanas, acompanhando este mundial – no fim das contas, sem compromisso algum com trabalho, tirando dois dias operando ao vivo uma câmera que deve custar mais que meu carro.
Valeu cada centavo.
A Lituânia acaba de conquistar o bronze. Os sérvios vão para casa com um frustrante quarto lugar, mas este sentimento não é só deles. A Argentina termina em quinto, a Espanha em sexto e este mundial ainda pode acabar pior para o basquete - como a Copa de 78 para o futebol.
Os americanos acabam de entrar em quadra para o aquecimento sob tremenda vaia. Torcerei por eles, para o bem do Brasil no pré-olímpico do ano que vem, em Mar del Plata. Se bem que, com a iminente greve na NBA, isso pode fazer nenhuma diferença. Mas não quero a Turquia campeã.
O dia da final foi também de referendo aqui, com cinquenta milhões deles decidindo se mudam ou não uma constituição escrita em 1982, dois anos após um golpe militar que levou centenas de ativistas à prisão, tortura e forca. Não chega a ser notícia que interesse ao mundo, embora devesse. Os turcos estão de olho num lugar na União Europeia, o que, aí sim, seria algo notável – um país com 99% da população muçulmana, quase totalmente situado na Ásia, entrando para o clube rico do velho continente. Não à toa, França e Alemanha têm posição veladamente contrária à aceitação do novo membro. Embora não haja um fundamentalismo islâmico aqui e o povo tenha democracia, através de um sistema parlamentarista, não sei se dá pra dizer que simpatizem ao extremo com os ocidentais. Talvez com alguns de seus modos, suas modas e, claro, todo seu dinheiro. Istambul é uma das cidades do planeta com maior número de bilionários.
Os americanos já saíram de quadra. Nas lanchonetes, turcos consomem sanduíches de carne de higiene duvidosa e cola turca. Eu devia ter desconfiado de um torneio da FIBA sem Coca-Cola. Aqui é outro mundo. Que quase vem abaixo quando as luzes se apagam e o sistema de som anuncia a apresentação oficial dos dois times. A torcida canta em tom uníssono – e quase ensurdecedor – a música tema dos “12 Gigantes”, como é conhecida a equipe da casa. O momento do hino turco até seria arrepiante, se eu já não estivesse tão louco para ver Istambul pelas costas.
A bola subiu. E eu digo que um time americano jamais enfrentou ambiente tão hostil (eu estava no ginásio em 2004, em Atenas, no jogo contra a Grécia – não chegou nem perto disso aqui). Torço para que o brasileiro Cristiano Maranho, que comanda o trio, não se perca. Mas no já no primeiro quarto, a arbitragem foi da casa. Mas um lance, a 49 segundos do fim, deu o caminho das pedras para os americanos – o jogo físico. Eric Gordon marcou Sinan Guller até o osso e a Turquia estourou o tempo de posse. O banco americano, bem ao lado, explodiu. Atleticamente falando, não dá para comparar. E eles ainda têm um moleque de 21 anos chamado Kevin Durant. Onze pontos dele no quarto, 22 a 17 para os EUA.
Vantagem que dobrou na ida para o intervalo, apesar do time americano ter abusado dos chutes de 3 – e mal – no segundo período (2 de 12), quando Durant fez mais nove pontinhos, chegando a 20...
(O QUÊ é Kevin Durant? Eu vi bastante do Dominique Wilkins, outra máquina de pontuar, mas esse garoto é realmente fora do comum. Nesse mundial ele mostrou que o comentário de Andre Iguodala não é tão fora de propósito quando pareceu. Seu companheiro de time afirmou aqui em Istambul que Durant será o maior cestinha da história. Não apostaria contra isso.)
O terceiro quarto começou e, depois de duas bolas seguidas de 3, ele se virou para a torcida turca e bateu no peito, com raiva, sentimento que foi retribuído da mesma forma. Detalhe – na segunda, pouco antes, um apito veio da arquibancada e o time americano chegou a dar uma meia-trava, achando que algo tivesse sido marcado. Turcos.
Durant terminou com 28 pontos. A sete minutos do fim, os americanos venciam por vinte. E fecharam a partida por 81 a 64.
Daqui a alguns anos, talvez ninguém lembre de muita coisa deste mundial, em que favoritos como Espanha, Argentina e Grécia ficaram pelo caminho, em que a Turquia chegou à final com a ajuda de uma trapaça e Sérvia e Lituânia jogaram muito basquete.
Mas todos vão lembrar de que ele foi o cartão de visitas de Kevin Durant – de Oklahoma para o mundo.
3 comentários:
Bacana essa crônica. Seu blog já está nos favoritos, realmente não conhecia, vi ontem o texto Patifaria Turca, procurei registros sobre na internet e nada. Atitude muito antidesportiva, sim, mas não acho que mancha uma bela campanha dos turcos dentro de quadra, uma festa muito legal nas arquibancadas. Escrevi em meu blog que o esporte é festa, alegria e sorrisos também, e isso a Turquia deu provas de que pode fazer.
Dentro de quadra, foi um adversário frágil para um excelente time dos EUA, que também deu uma lição de superação e de como combater as descrenças. Afinal, a expectativa inicial, qdo esse time foi convocado, era de uma campanha até mesmo pífia.
Bom, desse Mundial, além de Kevin Durant, ficam a bela festa turca, a ressurreição da Lituânia, e as certezas de necessidade de renovação de Espanha e Argentina - essa principalmente - para um longo prazo. Para o Brasil, bem, para o Brasil tem muita coisa a evoluir, a renovar, a repensar. Mas o futuro é bom, as perspectivas são interessantes. Tenho confiança que, mesmo sem os EUA, o Brasil vai se impor e bater até a Argentina no Pré-2011.
Torçamos.
O Sexto Homem também já está devidamente "bookmarcado", Colin.
O que aconteceu sexta, claro, não chega a manchar o vice dos turcos, posição a que eles jamais esperavam chegar antes do campeonato. Só acho que não precisavam disso, é atitude de time pequeno e eles foram grandes em tudo, embora, como disse aqui, tenham chegado à final sem ter cruzado com Argentina, Espanha ou Lituânia. Mas nem isso vem ao caso, já que foi o primeiro lugar em seu grupo, na primeira fase, que lhes garantiu um caminho menos tortuoso até a decisão. Sobre o lance do Asik, o Chris Sheridan, da ESPN, que estava aqui, foi o único que também achou muito feio (http://sports.espn.go.com/nba/columns/story?columnist=sheridan_chris&page=TeamUSA100911-turkeypreview)
E concordo contigo. Acredito que se o trabalho for mantido, se o Magnano tiver tempo de treino com o grupo e de observação na próxima temporada da NBB, podemos ter um time capaz de bater até mesmo os argentinos no pré. Embora eu conheça o ginásio de Mar del Plata e diga, de antemão, que não vai ser nada fácil... até porque, jogando em casa, além da torcida apaixonada, eles dever ter a força máxima. Mas são duas vagas, uma é nossa. Grande abraço.
Muuuito legal. Sinto falta disso, um olhar além da quadra, bastidores, costumes, etc. Ninguém que tava aí escrevia sobre nada além do jogo, quem saiu na frente, quem foi cestinha, quem isso, aquilo... aliás, você podia botar umas fotos de bastidores, né?
Sobre o jogo, vi até o fim do terceiro quarto. Não acho o time turco essa coisa toda e tanto o Turkoglu quanto o Ilyasova deixaram de chamar a responsabilidade pra si na final. Pra mim a Sérvia teria feito jogo mais duro, mesmo tendo perdido o terceiro lugar. Abs!
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