quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ei, mano.

Ontem eu perdi quase duas horas de minha vida assistindo à seleção brasileira de Mano Menezes, aquele que só foi chamado pela CBF porque o Muricy recusou o convite e, ainda assim, já está há mais tempo do que deveria no comando do escrete canarinho.

(como se vê, nem sempre eu uso o monte de tempo livre que tenho tido de forma inteligente)

Ontem, Mano Menezes perdeu mais uma chance de tentar dar cara ao seu trabalho e à nossa seleção, seja ela a olímpica ou a da próxima Copa do Mundo. Como nem ele nem eu e nem você fazemos ideia do time para Londres, vamos pensar apenas no que realmente interessa, que é o mundial de 2014.



Ser convidado para o cargo de técnico da seleção brasileira é mais ou menos como ser chamado para dirigir um filme podendo escolher roteiro e atores ao seu gosto (não virão metáforas oscarianas, pode ficar tranquilo). É algo bem diferente de assumir o comando de um clube, quando o técnico recebe um elenco já montado e, no máximo, vai ganhar um ou outro reforço que tiver pedido. Dependendo do clube, do elenco e do seu próprio prestígio, o técnico vai escolher como seu time jogará e quais jogadores vai utilizar. O elenco tem bons volantes, como o Corinthians de Tite? Arma-se um esquema específico. Tem abundância de jogadores do meio para frente, como o Flu de Abel? Arma-se outro esquema, que os valorize. E assim é. Assumir uma equipe - em qualquer área, seja futebol, cinema ou jornalismo - é identificar pontos fortes e fracos de seus comandados e saber utilizá-los da melhor forma possível, maximizando virtudes e minimizando deficiências.

Quando se é convidado para dirigir uma seleção - a seleção brasileira, não menos - a história é completamente diferente.

Não há alguém acima do técnico dizendo "quero que o time jogue assim". Como se sabe, Ricardo Teixeira adora dinheiro e poder, mas detesta futebol.

Também não há uma tradição que diga que a seleção deve jogar de determinada forma. Isso já até existiu, como lembrou Pepe Guardiola depois da final contra o Santos, mas não mais. Desde a Copa da Itália, em 90, o Brasil alternou times retranqueiros e sem suficiente talento com equipes talentosas e mal armadas a gosto do comandante (e, desde 90, tivemos Lazaroni, Parreira, Zagallo, Felipão e Dunga, todos retranqueiros).

Há apenas a consciência do técnico. Ou a falta dela.

Mano, quando assumiu, fez um discurso lindo de se ouvir, que entusiasmou a todos nós que amamamos o futebol. Falou sobre resgatar o espírito da seleção brasileira, de jogar sempre pra frente, sempre bonito. Falou o que todos queríamos ouvir depois daqueles tempos sombrios em que Dunga esteve no comando.

De lá para cá, pouco ou nada se viu deste discurso. Mano sequer armou um time. Convocou 81 jogadores. Ninguém sabe o time titular, tirando uma ou outra posição. Ninguém sabe exatamente a maneira de jogar da seleção. Sabe-se, apenas, que não tem sido belo ou eficiente o seu futebol.

E aí, Mano?

Tem o melhor futebol do mundo (ainda, sim, certamente, em talento e quantidade) à sua disposição, pode chamar quem bem entender e armar o time como bem quiser.

E não faz uso dessa benção, desse presente divido que caiu em seu colo?



Vamos por partes:

O Goleiro - Nosso mano chamou dez jogadores pra posição. Dez. Depois de umas férias pós-África do Sul, Júlio César reassumiu o posto de titular. Merecido? Talvez sim. Júlio ainda é um dos melhores do mundo na posição e está na idade que, para um goleiro, é o auge - 32 anos. Novo e experiente. Apesar das últimas falhas, aqui e na Inter. Jefferson, do Botafogo, é o melhor em atividade no Brasil. E Diego Alves, do Valência, o que tem jogado melhor lá fora. Fechemos com esses três, pois.

Laterais - Foram doze chamados por Mano. Daniel Alves e Marcelo, com atraso, parecem finalmente ter assumido a condição de "novos titulares" pós-2010. Eu não dispensaria a experiência de Maicon e Adriano (do Barça) para a reserva; dois jogadores que, se preciso, podem entrar no time e dar conta do recado, mesmo em 2014.

Zagueiros - Há muito não tínhamos uma safra tão boa. Thiago Silva, David Luiz e Dedé são os nomes óbvios. Todos jovens, talentosos e cheios de disposição. Eu teria o Lúcio como o quarto zagueiro, pela experiência que poderia passar aos demais.

Volantes - Treze foram convocados. Vamos assumir que precisemos de quatro para a Copa, num esquema com dois deles - Hernanes, Lucas Leiva, Elias e Ramires. Explico adiante.

Meias - Ganso, Oscar do Inter, Kaká e Lucas do São Paulo.

Atacantes - Neymar, Pato, Leandro Damião e Nilmar.

Temos então uma lista de 23 nomes. São os meus, diga-se, mas também são os do Mano, pois todos foram, em algum momento, convocados por ele.

Falta então o fundamental, muito mais importante que os nomes - O SISTEMA DE JOGO.

Ora, como eu já disse, não se trata de jogar de acordo com o material humano que se tem - este é quase ilimitado, em se tratando da seleção brasileira. Se trata, sim, de pensar esse material humano da maneira como se quer jogar. Coisa que Mano não fez, desde o início.

Quatro...

Jefferson, Dani Alves, Dedé, Thiago Silva e Marcelo...

Dois...

Hernanes e Ramires, Lucas Leiva e Hernanes, Elias e Hernanes, tanto faz - todos sabem o ofício de marcar e jogar bola.

Dois...

Ganso e mais um - pode ser Kaká, se voltar a ser o que era, pode ser o jovem Lucas, do São Paulo ou até o mais jovem ainda Oscar.

Dois...

Neymar e Pato.

Um 4-2-2-2, com uma defesa e tanto, com os três melhores do mundo em suas posições (Thiago Silva, Dani Alves e Marcelo); dois volantes que saem pro jogo e saber jogar; dois meias de criação e dois atacantes genuinamente brasileiros.

Com tanto talento, qualquer mano poderia fazer um time ofensivo, com muito toque (posse) de bola, criatividade, velocidade, drible e, sobretudo, vocação ofensiva.

Eu, se fosse o tal mano da vez, iria além - um só volante e três meias, sendo Hernanes um deles. Mas aí é querer demais.

Principalmente quando o mano da vez escala Sandro, Fernandinho e R10, deixando Ganso e Lucas no banco. E sem saber como organizar os caras em campo. Hernanes esteve perdido, R10 só trocou a faixa de campo onde tem se arrastado e os atacantes não tiveram com quem jogar.

Ah, se a gente tivesse a visão e a humildade de chamar um gringo pra tocar nosso time...

Pep?

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Fight The Power.

Esqueçam mais essa convocação do Mano (que é pra ser esquecida mesmo). Esqueçam também a estreia do Fla na Libertadores, a possível renúncia de Ricardo Teixeira e a arbitragem do clássico de domingo.

Todos só querem saber dele.

Jeremy Lin.


A imagem acima é de ontem. Faltando 0.5 segundo para o fim, Lin fez a cesta de três que deu a vitória ao New York Knicks sobre os Raptors, em Toronto. Nada demais, por um lado - o time canadense é um dos piores da liga. Mas, por outro, foi a cesta que levou os Knicks à sexta vitória seguida. Nas últimas cinco, Lin foi o armador titular. Quebrou recordes sem tanta significância - comparar suas cinco primeiras partidas como titular às cinco primeiras de nomes como Jordan e LeBron chega a ser piada, dada a experiência deles à época, recém-saídos da universidade e do colegial, com a rodagem que Lin já possuía: 39 jogos só na NBA antes dessa titularidade. O que em nada diminuiu os méritos do mais novo ídolo de NY - nessas cinco vitórias, cinco saídas como titular, Lin teve médias de 27,2 pontos, 8,8 assistências, quarenta minutos em quadra e ainda cinquenta por cento de aproveitamento nos arremessos. Como dizem os ianques, Lin is for real.

E é descendente de asiáticos, apesar de ter nascido em Palo Alto, na Califórnia. Tão americano quanto LeBron.

A "Linsanity" que a imprensa americana vende não é fabricada. Surgiu espontaneamente, nas arquibancadas do Madison Square Garden, templo do basquete. Da desesperança de uma das torcidas mais apaixonadas da NBA - a mais exigente, certamente - surgiu esse anjo salvador, de pele amarela. No dia seis de fevereiro, data do primeiro jogo de Lin como titular, os Knicks amargavam um retrospecto de oito derrotas nos onze jogos anteriores. Estavam longe dos playoffs da Conferência Leste e sem nenhuma perspectiva de recuperação, por conta das ausências dos astros Carmello Anthony e Amare Stoudamire, contundidos. Mais uma típica temporada frustrante na história recente do time de Nova York, em jejum de títulos desde 1973.

Aí, Mike D'Antoni, o técnico - o mesmo que por tantas temporadas fez os Suns de Nash e do próprio Stoudamire serem um dos times mais divertidos de se ver jogar - resolveu apostar no armador rápido, mas sem nenhum pedigree, que poderia acelerar o pace do time. Deu certo. E não foi apenas resultado das circunstâncias. Com Lin no time, os Knicks venceram os Jazz em casa (28 pontos e 8 assistências), o sofrível Washington Wizards fora (23 e 10), os Lakers no MSG (38 e 7, roubando os holofotes de Kobe Bryant), além do Minnesota fora (20 e 8 diante de Ricky Rubio, outro queridinho do momento na NBA).

Mas, claro, nada disso é tão relevante quanto o fato de Jeremy Lin ser asiático. Pele amarela. Gente do outro lado do planeta que, supostamente, não sabe jogar basquete.

Yao Ming? Um fracasso, fenômeno que nunca atingiu seu potencial devido às inúmeras e graves contusões que o fizeram abandonar as quadras precocemente.

Mais alguém? Alguém?

(Não me venham com papo de Wang Zhizhi).

Pra deixar tudo um pouco mais improvável, Lin se formou em Harvard, a universidade acostumada a formar presidentes americanos, não jogadores da NBA.

Lin tem um diploma de economia em Harvard
.

Tudo isso somado faz o New York Daily News de hoje dar manchete sobre Lin ter abandonado o sofá da sala do irmão, onde vinha dormindo desde que chegou aos Knicks, por um apartamento nos subúrbios de Nova Iorque. Esse Jeremy Lin é o mesmo que passou na temporada passada pelo Golden State Warriors sem impressionar ninguém. O mesmo filho de tailandeses que amargou tempo no fim do banco de reservas dos Knicks no primeiro mês com o time, quando esteve em quadra por apenas 22 minutos.

Daria um filme.

Mas tem gente que acha que não. Que tudo se resuma à raça.

Ontem, Floyd Mayweather, ídolo do boxe, usou o Twitter para mandar a seguinte:

"Jeremy Lin é um bom jogador, mas toda essa promoção exagerada é porque ele é asiático. Jogadores negros fazem o que ele faz toda noite e não recebem os mesmos elogios".

Depois da repercussão de suas palavras, foi além, novamente via Twitter:

"Tudo bem que a ESPN dê sua opinião, mas quando eu digo algo todos questionam Floyd Mayweather. Eu falo em nome de outros jogadores da NBA. Eles são programados para serem politicamente corretos e serão penalizados se derem suas opiniões. Outros países dão suporte e torcem por seus atletas e está tudo ok. Mas assim que eu dou suporte a um atleta negro americano, eu sou criticado."

Hmmmm.

Mayweather, supremo boxeador, com 42 vitórias e nunca derrotado, é o mesmo que, em 2010, quando da luta contra Manny Pacquiao, botou um vídeo na web em que mandava o filipino "fazer alguns enroladinhos de sushi e cozinhar arroz", para depois emendar um "eu vou cozinhá-lo com alguns gatos e cachorros."

Donde se conclui que:

1) Sim, Mayweather é racista. Como muitos que sofrem com o racismo ao longo da vida.

2) Não, Mayweather não entende muito de basquete. Lin é tudo, menos produto da mídia - o produto da mídia, sim, é resultado de seu jogo recente.

3) Muita gente transforma o Twitter (e até o Facebook) em ferramentas para disseminar algumas das opiniões mais babacas que tenho ouvido.

Jeremy Lin, 23 anos, californiano de pais tailandeses, poderia se chamar John Wayne, ser loiro de olhos azúis e, ainda assim, seria notícia pelo fato de ter estudado em Harvard, ter se formado em economia e chegado à NBA sem despertar a atenção de olheiros que ganham muito bem para descobrir talentos como ele.

* * *

O próximo jogo de Lin é hoje, às 22h30, no MSG, contra os Kings.

Mesmo com o Fla jogando no mesmo horário, darei um jeito de ver o anúncio dos titulares dos Knicks e a festa da torcida para o wonderboy Lin.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Furo, A Barriga, A Tonta E O Burro.

Eu não exatamente aprecio a figura do Vanderlei Luxemburgo, faço logo questão de dizer. Corria o ano de 1998 e, pouco antes de a equipe do Sportv viajar para a França, participei de uma reunião com meu chefe de redação, o co-editor-chefe do jornal que também fecharia durante a Copa e ele, Vanderlei. Participei em termos - depois de apenas alguns minutos na sala, o técnico, então já bicampeão brasileiro, tinha contado tanta vantagem que comecei a ter náuseas. O fim da picada, quer dizer, da reunião, foi quando contou que o relógio que ostentava no pulso custara mais de 60 mil dinheiros da época. Pedi licença para ir ao banheiro e nunca mais voltei.

Depois daquele dia, Luxemburgo ainda conquistaria mais três campeonatos brasileiros, seria treinador da seleção e do Real Madrid e colecionaria escândalos, acusações e desafetos.

Seria demitido onze vezes.

A décima-segunda, dizem, seria ontem. Mas a vitória sobre o Potosí, que levou o Fla à fase de grupos da Libertadores, deixou sua situação em suspenso. Coisas do futebol, como disse o próprio na coletiva após o jogo (diga-se, uma das mais sagazes que vi em dezoito anos de carreira).

Não acho que Luxa tenha feito um bom trabalho nesse um ano e quatro meses à frente do Fla. O time não tem padrão, joga com muitos volantes, não se acerta na defesa e carece de uma movimentação fundamental hoje no futebol. É incrível que um treinador como ele não consiga fazer os jogadores entenderem e obedecerem conceitos básicos como aproximação, ultrapassagem, cobertura, marcação ao homem e não à bola...

Como também é incrível que, ainda hoje, um treinador de futebol se dirija a seus comandados, em treinos e jogos, como "filho-da-puta". Quem já prestou atenção ao trabalho de beira de campo do Vanderlei sabe que xingamentos e palavrões são as vírgulas entre as orientações aos jogadores.

Não deve ser fácil trabalhar com um cara assim. Alguém que, no auge de uma queda de braço com a estrela do time, decide perder horas na frente de um computador procurando imagens de uma suposta transgressão às suas regras. Assim como foi com Romário, Luxa mostrou, com Ronaldinho, que não é afeito a estrelas com personalidades maiores que a dele.

Podemos somar a isso tudo o fato do técnico ter perdido parte da antiga motivação; ter parado no tempo ao não apresentar nada novo desde 2003, há quase uma década, portanto; e, principal, ter envelhecido - prestes a completar sessenta anos, eu não sei se esse Luxa de hoje é mais sábio ou mais intolerante.


Fato é que, clima, não há. Fica claro que o grupo não o quer mais. Mas também é fato que há uma multa de quatro milhões no caso de demissão. E a atual mandatária do Flamengo, como todos sabem, não é muito boa na arte de tomar decisões. Patrícia é a principal responsável pela mágoa de Zico com o clube - sua atuação, no episódio da saída do Galinho, foi lamentável. Assim como é lamentável o clube ter praticamente institucionalizado a política do beiço - devendo a meio mundo, não é de se admirar que o clube não tenha hoje patrocínio master na camisa. Quem quer associar sua marca a tão grande sinônimo de desmando, incompetência e desonestidade? E as ações na justiça estão apenas começando a pipocar, com Alex Silva e Deivid.

Estão errados os jogadores em cobrar desta forma? Não.

Assim como não é culpa do técnico o atual estado das coisas do time. No fim das contas, Luxemburgo cumpriu o que prometeu e planejou - levou o Fla à Libertadores.

A presidente, no entanto, não cumpre praticamente nada que promete.

Nenhuma surpresa. Políticos sempre serão assim.


* * *

Também corria o ano de 1998 quando, por merecimento, tomei uma imensa chupada do mesmo chefe de redação do início deste post - diga-se, o melhor com quem trabelhei na vida, José Olívio Petit. Bem antes da tal reunião com Luxa, ainda no início do ano, o Fluminense procurava um técnico para assumir o comando do time. Era uma segunda-feira. Uma fonte graúda do clube me passara a informação, logo cedo, de que haviam não só chegado a um nome de consenso nas Laranjeiras, como acertado tudo com ele. Era Edinho, ídolo tricolor. Mas nada do anúncio oficial.

Vinte e cinco anos de idade, editor-chefe do telejornal da hora do almoço, decidi bancar minha fonte e dei a notícia. Ninguém tinha. O Globo Esporte não havia dado, a Manchete Esportiva também não. Furo nosso. Não, meu.

Vieram a tarde, a noite e nada de Edinho ser anunciado como o novo treinador do clube. No dia seguinte, claro, tive que dar explicações sobre as circunstâncias de minha "barriga".

Algumas horas depois, na tarde de terça, Edinho foi apresentado oficialmente.

Foi inevitável lembrar disso ontem, quando o globoesporte.com noticiou a demissão do Luxa, o acerto com Joel e até uma reunião de dirigente com jogadores para comunicar a saída do treinador. Quatro jornalistas assinaram a matéria. Não conheço todos, mas posso garantir que os que conheço são profissionais sérios e imagino que os outros também.

Mas furo é furo. E barriga é barriga.

Só não dá furo ou barriga quem não corre incessantemente atrás da notícia em primeira mão, essa é a moral das duas histórias.