Dezenas de repórteres que o cercavam, naquela tarde gelada de media day em Chicago, antes do início da temporada, se entreolharam. Nenhum chegou a rir - afinal, estavam diante de um dos jogadores mais afáveis e gentis de toda a liga - mas, internamente, todos se perguntaram - "como assim 'por que eu não posso ser o MVP?'"
Quando soube, achei graça. Eu, torcedor fanático dos Bulls desde o tempo em que Michael Jordan perdia ano após ano para Celtics ou Pistons. Que torci como louco, no draft de 2008, para que meu time escolhesse aquele armador veloz como a luz, que havia perdido a decisão do título nacional universitário meses antes. Eu, que havia assistido a cada um dos 171 jogos de sua carreira até aquela tarde, achei a pergunta desmedida.
"Mas o que deu na cabeça do moleque pra falar uma coisa dessas?"
Só o chamo assim. Até minha mulher, hoje: "Como foi o moleque ontem?" Que fique claro - não há nada de moleque Neymar nele. Pensando bem, talvez não haja mais nada de moleque nele, nada que faça lembrar o garoto de 20 anos que realizou o sonho de vestir a camisa do time de infância, da cidade onde nasceu e cresceu. Todo jogador, quando é apresentado à torcida antes de uma partida, tem seu nome, número, posição e universidade onde jogou anunciados pelo locutor do ginásio. O moleque não. Pediu, desde a primeira vez, para que fosse diferente com ele. A universidade de Memphis não é lembrada.
"FROM CHICAGO... AT GUARD... NUMBER ONE... DERRIIIIICK ROOOOOSE!"
Voltando à pergunta que dá título ao post, voltando no tempo, recupero frases, mensagens trocadas com amigos e colunas dos chamados experts sobre a atual temporada, que se aproxima dos playoffs. Mesmo minha modesta previsão parecia exagerada - chegar à final do Leste e, quem sabe, com sorte, à final. Só que, antes da bola subir, ninguém em sã consciência botava os Bulls acima de Celtics, Heat ou Magic. E todos viam a tal pergunta como um devaneio de um garoto que começava a descobrir estar acima da média em sua profissão.
Hoje os Bulls asseguraram a primeira colocação do Leste, com 59 vitórias e 20 derrotas, ao vencerem o Cleveland. Não podem mais ser alcançados por ninguém. E ainda têm chance de terminar a temporada com a melhor campanha de toda a liga - estão só uma derrota atrás dos Spurs. Ao fim do jogo contra os Cavs, ninguém comemorou um centímetro a mais do que noutro jogo qualquer.
"Ele é o jogador mais consistente do nosso time. Defendendo, jogando machucado, jogando sério sempre. Esse ano, ele tem meu voto para MVP."
O moleque não é o personagem da frase. É o autor. Fala sobre o companheiro Luol Deng, o mais bem pago do time até a chegada de Boozer, há sete temporadas defendendo os Bulls. Um elenco heterogêneo, entretando harmonioso. E, acima de tudo, solidário. Seja num passe extra, numa ajuda na defesa ou numa entrevista, é evidente que o clima entre os jogadores lembra a camaradagem de uma equipe de colégio, não de profissionais com salários milionários e que, via de regra, pensam primeiro em si quase sempre. Completa a receita um técnico estreante - mas de longa estrada como assistente - e que teve seu mantra comprado sem receios por seus comandados: defesa. Os Bulls têm a melhor da NBA, ocupando a segunda posição em pontos cedidos e rebotes, além de terem a melhor campanha em casa (35-5) e a melhor média de diferença de pontos sobre os adversários (7,3). Números que têm tanta relação com os talentos individuais do elenco quanto com o suor deixado em quadra, sob o incentivo dos gritos roucos do técnico Tom Thibodeau.
"Não é por coincidência que os Bulls têm a melhor campanha do Leste. Eles estão jogando com mais aplicação que qualquer outro time e isso tem relação com sua campanha. E vem tanto de Tom (Thibodeau) quanto de Derrick Rose." - Doc Rivers, técnico dos Celtics.
Mas Thibodeau, lembrem-se, é um novato. Nunca foi head coach. Por mais que seja um nome reconhecido e respeitado na liga, sua demanda constante por esforço na defesa, somada à voz rouca como um Louis Armstrong, poderia facilmente cansar a beleza de atletas que, não raramente, se comportam como prima-donas. Poderia, se o melhor do time não fosse o primeiro a entregar-se de corpo e alma ao comando do treinador. Como na época de MJ, se o astro dá cem por cento nos treinos e nos jogos, sem jamais reclamar, quem há de agir de maneira diferente?
Ainda assim, os números individuais do moleque não são estratosféricos. Cerca de 25 pontos, oito assistências e quatro rebotes de média. Inferiores, por exemplo, aos de LeBron James, eleito MVP nas duas últimas temporadas. Mas números (no basquete, principalmente), não contam toda a história. Os Bulls começaram a temporada sem seu maior reforço, o ala Carlos Boozer. Pouco depois de sua estreia, perderam sua alma, o pivô Joaquim Noah. Recentemente, ambos, tiveram que lidar com torções de tornozelo, que os deixaram de fora por mais alguns jogos. Em todos eles, qual fosse a ausência, lá estava Derrick Rose, pronto para fazer o necessário para conquistar a vitória. Cinquenta e nove até aqui.
Há quem defenda que LeBron deveria levar o prêmio novamente. Há os que consideram Dwight Howard, do Magic, mais eficiente que Rose. Para alguns, o moleque seria apenas uma versão aprimorada e um pouco mais alta de Iverson. "Ele não chuta tão bem". "Não distribui tantas assistências". "Pontua demais para um armador".
Nesta temporada, o moleque foi o único entre os dez primeiros em pontos e assistências. Adicionou a seu repertório ofensivo um arremesso de três pontos respeitável - e que se tornará mais consistenta com o tempo. E foi "o" ataque do time quando preciso. Sempre com toda a equipe adversária concentrando sua defesa sobre ele - notoriamente, estes Bulls não têm muitas opções de ataque. Por isso mesmo Thibodeau deu sempre liberdade a Rose para arremessar, sabedor que é das capacidades e deficiências de seu grupo, recheado de bons defensores, como Gibson, Brewer, Bogans, Asik e um ou outro especialista, como Korver. O moleque precisou ser o ataque em muitas noites. E em todas elas, como armador do time, foi sempre quem tomou as decisões ou chamou a responsabilidade para decidir ele mesmo. Como mostra a campanha dos Bulls, acertou muitíssimo mais que errou.
Por fim, ninguém, hoje, no mundo, consegue ser mais veloz driblando uma bola de basquete do que o moleque. Não se trata apenas do talento nato, nem da aplicação absurda aos treinos. Derrick é uma aberração, dono de velocidade e impulsão nunca reunidas num mesmo atleta. E está só aprendendo a unir tudo isso a seu favor. Aprendendo rápido.
Então, se alguém me perguntar, eu direi: ninguém jogou mais nesta temporada que Derrick Rose. Aos vinte e dois anos, se tornará o mais jovem MVP de todos os tempos. E tem tudo para escrever, com esses Bulls, uma história de Cinderela poucas vezes vista na liga.
O moleque, claro, é o sapato de cristal.